quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Garota Exemplar



Garota Exemplar (Gone Girl)

Direção: David Fincher

Ano de produção: 2014

Com: Ben Affleck, Rosamund Pike, Carrie Coon, Kim Dickens, Tyler Perry, Neil Patrick Harris, Patrick Fugit, Missi Pyle, Casey Wilson.

Gênero: Suspense

Classificação Etária: 16 Anos

Grande livro e grande filme

            Tem um mito sendo quebrado em 2014: sempre ouvimos dizer que o livro é melhor do que o filme e que a obra audiovisual estraga o prazer da leitura. As exceções, sempre citadas, são as trilogias ‘O Poderoso Chefão’ e ‘Senhor dos Anéis’. Mas, neste ano, há um fenômeno maravilhoso, em que os filmes estão superando os livros em obras sensacionais: logo no início do ano, tivemos ‘O lobo de Wall Street’, de Martin Scorsese, que é mais alucinado e ácido do que o livro na qual foi baseado. E na metade do ano tivemos o fenômeno ‘A culpa é das estrelas’, que pegou todo mundo de surpresa em ser bonito e ao mesmo tempo mais racional do que sentimental.

            E agora, nesta temporada pré-Oscar temos outro filme baseado em um best-seller e iguala – e supera – o livro em muitos aspectos: ‘Garota Exemplar’.

            O grande acerto por aqui foi em colocar a própria autora do livro como roteirista única do filme: Gillian Flynn. E a Fox, distribuidora do filme, deu sinal verde para ela adaptar sua obra de acordo com a linguagem cinematográfica.

            E o resultado é um filme absolutamente devastador e que surpreende mesmo àqueles que conhecem o romance de Gillian Flynn.

            A escolha do diretor não poderia ter sido mais acertada. David Fincher sabe deixar a platéia em estado de choque e colocá-la dentro da história. Não é a toa que ele tem grandes obras-primas como ‘Seven – os Sete Crimes Capitais’ e ‘Clube da Luta’, além de não ter medo de ser politicamente incorreto e não se preocupar com desfechos pessimistas.

            Nos últimos 2 anos, Fincher estava mais dedicado à criação da brilhante série da Netflix, ‘House of Cards’ e vendo tanto o filme quanto a série, nota-se que a espera valeu a pena.

            Todo o cinismo do personagem de Kevin Spacey de ‘House of Cards’ com o cinismo da dupla principal de ‘Garota Exemplar’ só revela o quanto Fincher sabe atiçar e enganar a platéia e muitas vezes fazê-la interpretar a história colhendo pistas falsas e induzindo a trama de uma maneira para finalizá-la de outra.

            Na trama, Nick Dunne (Affleck) é um sujeito que chega em casa para comemorar com a esposa, Amy (Rosamund Pike, em um papel devastador) o 5° aniversário de casamento no dia 5 de Julho de 2012, mas ela some misteriosamente com viés de violência. De início, dois detetives começam a investigar o caso, mas a coisa vira repercussão nacional e o pior: todas as pistas levam Nick como principal suspeito de um possível crime.

            ‘Garota Exemplar’ era um livro difícil de adaptá-lo à tela grande, pois há muitos flashbacks e o livro é narrado em primeira pessoa. É uma história de 5 anos de casamento e tanto o filme como o livro, começam no desaparecimento em si para depois voltar no tempo e explicar a história de ambos. Na literatura isso funciona perfeitamente, pois se pode dividir em capítulos e alternar passado e presente. Mas, no cinema, isso é completamente ousado e o risco de sair mal feito é grande. Mas, em ‘Garota Exemplar’, felizmente não é o caso: o filme vai alternando o passado, através de um diário que Amy escreve e o presente, mostrando a investigação do desaparecimento dela.

            ‘Garota Exemplar’ é um filme em que o espectador é testado a toda hora e nada é o que parece ser. A trama poderia segurar a aflição de quem assiste e deixar a surpresa para o final. Sim, há uma surpresa em seu desfecho, mas, logo com 60 minutos de duração, dentre os quase 150 minutos, logo a história dá uma virada. Tudo se encaminhava de uma forma e parecia que todas as pistas estavam lá, mas logo o espectador vê que foi enganado por praticamente 1 hora pelo David Fincher e a Gillian Flynn. E quando se acha que já está tudo lá presente, o espectador se vê enganado por mais uns dois momentos do filme.

            Affleck se tornou um diretor respeitado e vencedor do Oscar por ‘Argo’ no ano passado, mas seu talento como ator nunca havia sido valorizado. Isso até o ano passado, antes de ele ser chamado para viver o novo Batman em ‘Batman VS Superman’. Mas, no caso de ‘Garota Exemplar’, ele é o protagonista sim e seus traços ambíguos caíram bem no papel. De herói a vilão e homem sem vergonha (ele tem uma amante e diz isso em rede nacional), mas quase nunca seguro de si, seu Nick Dunne é um papel importante para a carreira dele.

            O elenco de apoio é sensacional e praticamente desconhecido. A longa duração do filme poderia ser um problema e poderia também fazer a platéia perder a paciência com o que se vê na tela, mas, é um grande aliado, em especial em desenvolver o elenco coadjuvante: a irmã de Nick, Margo, é praticamente um espelho e sombra dele e, em alguns momentos, é a única pessoa em quem ele confia.

            O advogado de Nick, Tanner, é um personagem incrivelmente inteligente e com um papel muito cifrado. Seus trejeitos, bem como as instruções que ele dá a seu cliente, são um capítulo a parte da trama.

            Os detetives Boney e Jim, que são encarregados pelo caso, estão no meio do fogo cruzado e, quanto mais avançam nas investigações, menos as peças se encaixam e mais colocam Nick como possível assassino de Amy.

            E temos um rosto conhecido de quem acompanha séries de TV, Neil Patrick Harris, o Barney de ‘How I Met Your Mather’, apresenta um personagem muito menos cômico do que vemos na série e nos dois filmes de ‘Os Smurfs’, na qual ele também participa.. Ele interpreta Desi, ex-namorado de Amy, que o acusara de estupro, mas ainda é ligado a ela. Seu papel tem muito mais relevância na segunda metade da história e o desfecho desse arco merece entrar para a história do cinema. E não só o desfecho é memorável, mas todo o clima de tensão com uma trilha sonora arrepiante.

            A trilha, aliás, é outro destaque. A trilha sonora de Trent Reznor (que também trabalhou com David Fincher em ‘A rede social’ e ‘Millennium – os homens que não amavam as mulheres’) sabe exatamente como fazer o espectador evoluir com a história: no início do filme, em especial nos momentos em que Amy e Nick estão se conhecendo, há uma trilha mais lúdica e romântica e ao passo que a história se torna mais densa, a trilha fica com ares mais sombrios. Se não for indicada ao Oscar em 2015, é marmelada.

            Por falar em Oscar – e por falar em elenco também – não tem jeito. Por mais que o filme tenha um forte elenco de apoio e um ator conhecido no pôster, o grande trunfo do filme é o papel de Rosamund Pike. Fincher e Flynn bateram o pé para o estúdio para chamá-la para o filme quando os executivos queria uma atriz com mais fama, mas eles sabiam o que estavam fazendo quando chamaram uma atriz com menos glamour e que não chamaria mais a atenção do que a personagem. E conforme Amy vai mudando da água para o vinho, sua expressão de menina ingênua e mulher forte intercalando e confundindo até o espectador mais atento, mostra que a escolha para essa menina para o papel é mais do que certeira. Assim como a Trilha Sonora, se não vier a indicação de Atriz para essa menina praticamente desconhecida, será uma grande injustiça.

            Fincher gosta de ter uma equipe para chamar de sua. Além de Reznor na Trilha, também temos Joshua Donen como produtor. Ele já trabalhou com Fincher na série ‘House of Cards’, mas, o grande destaque no time da produção deste filme é que, a atriz Reese Witherspoon é uma das produtoras. Sim, a atriz de ‘Legalmente Loira’ se revelou uma produtora – e das boas. De repente, ela pode ser o mesmo caso de Affleck, que é apenas correta atuando, mas uma revelação por trás das câmeras.

            E como se não bastassem todas as qualidades de ‘Garota Exemplar’, ainda há outro arco que merece ser citado, que é a manipulação da mídia e a arte do espetáculo. Nick é hostilizado pela imprensa e é transformado em vilão pela opinião pública. Aqui no Brasil temos vários exemplos de programas sensacionalistas e também exemplos de casos que temos um “vilão” e uma “vítima” declarados, basta se lembrar de casos que viraram repercussão nacional, como a Suzane Von Richthofen e o casal Nardoni. No caso do filme, a história é aumentada, cada movimento de Nick se torna motivo de pista de assassinato (como uma selfie com uma fã) e até o relacionamento com a irmã é induzível como um incesto.

            ‘Garota Exemplar’ é um filme que, quanto menos se sabe sobre ele, melhor, e para quem se tornou apaixonado pelo filme, ler o livro se torna uma experiência totalmente nova, mesmo já conhecendo a história. E o fato de as mídias estarem interligadas assim é algo mágico, como o cinema.


Nota: 10,0

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