sábado, 26 de janeiro de 2013

Lincoln


Lincoln (Lincoln)

Direção: Steven Spielberg

Ano de produção: 2012

Com: Daniel Day-Lewis, Tommy Lee Jones, Sally Field, Joseph Gordon Lewitt, David 
Strathairn, Hal Holbrook.


Gênero: Drama

Classificação Etária: 14 Anos

Nota: 6,5


Spielberg realiza um grande épico com um intuito único: ganhar prêmios.

            Abraham Lincoln foi o 16º presidente norte-americano da história, e foi um dos mais controversos, admirados e polêmicos também. Seu legado, principalmente, no segundo mandato, em que a Guerra da Secessão, entre o norte e sul dos Estados Unidos, eclodia no território daquele país. O que o presidente queria era acabar com a guerra e pôr um fim à escravidão no país, pois, segundo o próprio presidente, essa era uma prática arcaica. Acabar com a guerra era fácil, pois era isso que o congresso queria, e depois que tanto sangue foi derramado, o fim era só uma questão de tempo e o Norte seria declarado vencedor. Mas acabar com a escravidão era algo difícil. Lincoln teve que ser um articulador e negociador entre todo o congresso, principalmente entre as brigas ideológicas entre o partido Republicano e o Democrata, mas também ele teve que lutar contra muitos preconceitos daquela sociedade da segunda metade do século XIX que hoje em dia parecem ridículos, como o fato de negros e mulheres não poderem votar.



A luta de Lincoln contra a escravidão no ano de 1865 inspirou muitas práticas abolicionistas, inclusive no Brasil, no ano de 1888, inspirados pelo Positivismo, de Comte, e, daí, pode-se dizer que ele era um homem muito à frente de seu tempo. Seus ideais inspiram muitos líderes, principalmente norte-americanos, a seguirem seus legados, como o atual presidente Barack Obama. É importante entender o porquê temos uma estátua de Abraham Lincoln na Casa Branca ou por que temos uma imagem dele na nota de Cinco Dólares.



E foi baseado nessa mística em torno do 16º presidente norte-americano que o diretor Steven Spielberg e o roteirista Tony Kushner adaptaram o livro Team Of Rivals: The Genius of Abraham Lincoln, de Doris Kearns para contar, não uma biografia, mas os últimos anos da vida de Abraham Lincoln, principalmente os últimos quatro anos que foram a sua reeleição turbulenta, marcada pela disputa pela 13ª emenda na Constituição que previa a abolição da escravidão, para realizar “Lincoln”, um filme que não tem nada a ver com os anteriores de Spielberg e surge como o grande favorito ao Oscar deste ano.

Quem faz o ex-presidente é o sempre ótimo Daniel Day-Lewis. Não tenho nenhuma ressalva ao seu papel, que está devastador e mostra como Day-Lewis se entrega de verdade aos papéis em que ele representa, na qual ele estudou e ensaiou de fato os trejeitos do ex-presidente. E não só ele. Todos os atores se parecem muito com seus personagens históricos, como a atriz Sally Field (indicada para Melhor Atriz Coadjuvante), como a primeira-dama. Foi uma grande reconstituição de época de Spielberg, que também emplacou as indicações de Melhor Figurino e Direção de Arte.


Para quem vai ao cinema como fã de Spielberg, pensando que verá mais uma de suas superproduções, como Jurassic Park e Indiana Jones, ou seus filmes mais densos, como “O Resgate do Soldado Ryan” vai quebrar a cara. Apesar de ter uma guerra como pano de fundo, esse é um filme essencialmente político, são duas horas e meia com praticamente só diálogos, que, portanto, o grande público pode achá-lo enfadonho e, por ser político, pode não agradar muita gente. Dá pra concluir que, se não fossem as indicações ao Oscar e ter as credenciais de “Spielberg”, o filme poderia até passar despercebido, mas não foi o caso.


Mas o fato é, que mesmo com todo o esforço do elenco, e olha que estamos falando de ótimos atores, o filme é todo certinho e quadradinho para ganhar prêmios. Com uma história tão rica e com uma personalidade tão influente, o filme apenas “cumpre seu papel” como um favorito a ganhar muito Oscar e não há um só momento em que o defina como um grande filme.

Outro grande problema: “Lincoln” é americano demais. É clara a intenção de Spielberg em fazer uma obra devota demais e feito unicamente para agradar os ianques. Por causa dessas características, de patriotismo exagerado e de ser muito quadradinho, venho dizer que “Lincoln” é, desde já, o super favorito a levar o Oscar de Melhor Filme este ano, até por que, os Estados Unidos não são uma nação tão amada hoje em dia como foi outrora, principalmente pela Doutrina Bush e pela Guerra do Iraque. E com a crise estando longe de acabar, tanto nos Estados Unidos, como na Europa, pode ser que a indústria queira compensar esse sentimento começando a premiar uma obra maniqueísta. É uma pena que essas são as características de um cineasta que já foi considerado gênio. Até os grandes têm suas fraquezas, infelizmente.


Trailer do Filme:



domingo, 20 de janeiro de 2013

Amor


Amor (Amour)


Direção: Michael Haneke

Ano de produção: 2012

Com: Emmanuelle Riva, Jean-Louis Trintignant, Isabelle Huppert.

Gênero: Drama

Classificação Etária: 12 Anos

Nota: 10


Haneke mostra porque é o melhor cineasta europeu da atualidade.


            No mundo cinematográfico de hoje, com tantas superproduções, efeitos especiais e sendo essa a era do 3D, é difícil imaginar que ainda existam cineastas que propõem alguma reflexão. E Michael Haneke faz isso como poucos, sem contar que suas obras costumam ser perturbadoras e ousadas, e por tanto, inacessíveis ao grande público. E se pegar como exemplo, “Cache” e “A Fita Branca”, seus melhores trabalhos, vemos que, “Amor”, é, de longe, seu filme menos pesado para o grande público e não menos interessante. O filme surpreendeu a todos com as indicações ao Oscar que levou. A de Melhor Roteiro Adaptado já era esperada, afinal, promete ser a grande barbada da festa este ano, mas Melhor Atriz, Direção e Filme, soaram para os críticos como um azarão.

            ‘Amor” conta a história de Anne (Riva) uma senhora que sofre um derrame e fica de cama em casa sob os cuidados de seu marido, Georges (Trintignant), que também recebe as visitas de sua filha (Isabelle Huppert) e está pior a cada dia e com a morte cada vez mais anunciada.


            Não há muito o que contar da história, aliás, a graça é como Haneke conta a história. E o grande trunfo de seu trabalho é deixar as imagens sempre límpidas e a fotografia simples para o espectador prestar atenção somente nos personagens e no que é dito, e não na estética, como sugere o padrão hollywoodiano de fazer filmes. E neste filme aqui, Haneke faz isso como ninguém.

            “Amor” é um filme sobre velhice, reflexões de uma vida inteira, sem cair na pieguice americana e sem um conteúdo mirabolante, aliás, esta é uma história simples e corriqueira, que poderia ser em qualquer residência.

            Os atores estão ótimos, mas o filme é todo de Emmanuelle Riva, indicada para Melhor Atriz no Oscar, aliás, a pessoa mais velha indicada até agora com 86 anos (e este ano ainda temos a mais nova indicada este ano, com apenas 9 anos de idade). Não acredito que ela levará a estatueta, já que tem outras mais favoritas, mas seu trabalho mais acessível aqui para nós, latino-americanos, que é nesse belíssimo drama, “Amor” merece ser apreciado e aplaudido.


            Tenho absoluta certeza de que “Amor” não irá bem nos cinemas, afinal, é um filme sobre velhice, reflexões, europeu, que não tem nada a ver com os padrões americanos de filmar, e ainda as duas horas de projeção são inteiramente dentro de um apartamento. É um filme, realmente, para quem é amante de cinema. E Michael Haneke mostra que não se curva aos prazeres que os blockbusters dão, como dinheiro e publicidade e ainda resiste, e muito bem, em fazer um cinema de autor, que quase só se via nos anos 1960. “A Professora de Piano”, “Violência Gratuita”, “Cache”, “A Fita Branca” e agora, “Amor”, como será que Haneke nos provocará da próxima vez?

Trailer:


Clube da Luta


Clube da Luta (Fight Club)


Direção: David Fincher

Ano de produção: 1999

Com: Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter.

Gênero: Drama

Classificação Etária: 18 Anos

Nota: 10


É preciso falar de “Clube da Luta”.



            Acho que é perdoável se eu disser que não via “Clube da Luta” com bons olhos, mesmo tendo Edward Norton, que considero dos grandes atores americanos. Também pudera, um título desses sugere um filme de ação cheio de testosterona considerando que ainda temos Brad Pitt como um dos protagonistas.

            Mas, para a minha grande surpresa, venho aqui dizer que “Clube da Luta” é um dos grandes filmes da década de 90, e um dos mais polêmicos também, para quem esperava, como eu, ação e efeitos especiais, como eu, levou um soco no estômago.

            Quando o filme estreou, em outubro de 1999, ele foi acusado de ser maldito, manipulador, fascista, terrorista (e olha que foi lançado antes do 11 de setembro). Sua reputação piorou quando um estudante atirou em todos os presentes da seção do filme em um Shopping de São Paulo. Felizmente, foi provado que não houve nenhuma ligação do crime com o filme. Clube da Luta foi um fracasso de bilheteria, mas não demorou muito para ser reconhecido, com a chegada em DVD, logo ganhou muitos fãs que ditam as frases do seu roteiro eletrizante. Muito, mas muito a frente do seu tempo mesmo, “Clube da Luta” teve uma mísera indicação ao Oscar de 2000 de Melhor Som. Infelizmente, a Academia ainda não está preparada para um trabalho como esses.




            Clube da Luta é contado em primeira pessoa em que o narrador (Edward Norton, cujo nome nunca é revelado durante o filme) é um executivo que trabalha como investigador de seguros, tem um apartamento confortável, mas está entediado com a sua vida tão certinha. Para piorar, ele tem crises de insônia pois ele frequenta grupos de auto-ajuda de viciados em drogas, onde ele conhece a misteriosa e também viciada, Marla (papel de Helena Bonham Carter). Em uma das viagens de avião, o narrador conhece o descolado Tyler (Brad Pitt – incrivelmente ótimo no papel) e não demora muito para os dois se tornarem amigos inseparáveis e logo Tyler revela um grupo secreto para extravasar o estresse do dia-a-dia, o Clube da Luta, em que homens se reúnem para se baterem até o fim, sem regras e sem armas. O plano, na verdade, é bem mais ambicioso, é destruir e provocar terror nas instituições financeiras e voltar às raízes de o porquê somos humanos.




            David Fincher sabe mesmo como deixar a plateia em estado de choque. Quando ele realizou o genial suspense “Seven – os sete crimes capitais”, Fincher conseguiu deixar todos de queixo caído com um novo jeito de vermos desfechos pessimistas, como um filme de serial killer pode, e deve, ser inteligente sem apelar para a violência gratuita, além de transformar Brad Pitt em um ator de verdade e não um modelo que só fazia pose de galã até então. Neste filme aqui, ele não perdeu a mão mesmo. A violência é sim, física, mas é ainda mais psicológica. As frases de Tyler tocam bem à plástica e máscara que é o mundo atual comandado pelas grandes corporações e até hoje são frutos de estudo em faculdades de psicologia e sociologia. Eis algumas frases memoráveis do filme:

            “Trabalhamos em empregos que não gostamos, para comprar um monte de coisas que não precisamos”.

            “Sem dor, se, sacrifício, nós não teríamos nada”.

            “É apenas depois de perder tudo é que somos livres para fazer qualquer coisa”.


            Outra coisa memorável até hoje são as regras para o Clube da Luta, ditas pelos fãs, são elas:

1.    Você não fala sobre o Clube da Luta;
2.    Você não fala sobre o Clube da Luta;
3.    Quando alguém gritar “pára!”, ficar no chão ou desmaiar, a luta acaba;
4.    Somente duas pessoas por luta;
5.    Uma luta de cada vez;
6.    Sem camisa, sem sapatos;
7.    As lutas duram o tempo que for necessário;
8.    Se for a sua primeira noite no clube da luta, você tem que lutar.

Ah, outra coisa clássica em Clube da Luta é o surpreendente final. É um dos desfechos mais impressionantes da história do cinema. O interessante de se ver pela segunda vez é que depois de você saber o que acontece, fica-se analisando se as pistas estavam lá, intactas, feitas pela o espectador pensar um pouco mais pois aquilo que esta em cena pode ou não ser real (alguém se lembrou de “O Sexto Sentido”?).

E vendo Clube da Luta pela segunda vez, só me permito discordar da primeira e segunda regra: considerando que é um filme tão intenso, polêmico e fruto de discussões, é preciso sim, falar de Clube da Luta.




Trailer:


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

As Aventuras de Pi


As Aventuras de Pi (The Life of Pi)
Direção: Ang Lee
Ano de produção: 2012
Com: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain
Gênero: Aventura Dramática
Classificação Etária: LIVRE
Nota: 9,0

“As Aventuras de Pi” tem uma grande e comovente história e mostra que o 3D não é apenas uma “modinha”.

            Durante a transmissão do Oscar de 2010 pela TV Globo, o crítico de cinema e ator José Wilker disse que a tecnologia 3D não passava de mania e moda adolescente. O comentário veio porque naquela noite os grandes favoritos a levar o prêmio máximo eram “Avatar” e “Guerra ao Terror”, em que ele dizia que Avatar era feito só pra ganhar dinheiro e que Guerra ao Terror era mais cinema. Mesmo eu achando que o filme da Kathryn Bigelow é de fato melhor que o do James Cameron, por ser mais cinema de autor e, consequentemente, mais realista, o tempo mostrou que, como crítico, Wilker é um ótimo ator.

            A tecnologia 3D veio sim, para ficar, não apenas como impressionista, mas, para aliar as boas ideias com o que está por vir. Infelizmente, não estamos preparados para as novidades. Sempre achamos que a época anterior é melhor e sempre achamos que tudo vai piorar. “Ninguém ia mais ler” quando surgiu o Atari ou quando a TV se popularizou. “Ninguém criaria mais nada” quando a internet surgiu, e a prática provou que tudo isso era pessimismo.

            Tudo bem que de início o 3D era mais para animações, e algumas porcarias hollywoodianas, como “Fúria de Titãs” e “O Último Mestre do Ar”, mas não demorou muito para essa tecnologia ser aliada a um bom roteiro. Foi quando o mestre Martin Scorsese resolveu fazer, finalmente, um filme de classificação livre para sua filha, que foi o ótimo “A Invenção de Hugo Cabret”, que era o favorito a levar o prêmio máximo no Oscar do ano passado mas perdeu para “O Artista”. O próprio James Cameron, diretor de Avatar, que é conhecido pelo seu ego, disse em uma entrevista que o 3D de Scorsese era o mais bem usado até então.

            Mas é impressionante como a criatividade humana não se esgota nunca. Com menos de um ano da estreia de “A Invenção de Hugo Cabret”, temos um uso melhor amarrado e mais profundo da tecnologia 3D: “As aventuras de Pi”, o novo filme de Ang Lee, igualmente de classificação livre e baseado no livro Yann Martel, “A Vida de Pi”.

            Há dois tipos de 3D, aquele que é o mais conhecido, em que a tecnologia é composta da tela para a plateia em que muitas produções fazem a brincadeira de “jogar” objetos no espectador e tem aquela tecnologia em que o 3D vem da tela para dentro, dando uma ideia de maior profundidade. Esse novo filme de Ang Lee faz das duas maneiras, e muito bem.

            Desde a primeira sequência, mostrando algumas aves até o desfecho, o resultado é lindo, fruto de um trabalho pela Rhythm & Hues Studios de captura de performance, a mesma do leão de “As Crônicas de Nárnia”. Esse trabalho de captura quase que real dos movimentos do tigre, por exemplo, lembra muito o trabalho de Andy Serkis em “Planeta dos Macacos – A Origem”.



            “As Aventuras de Pi” conta a história de Piscine Molitor, um garoto indiano que teve esse nome dado em homenagem a uma famosa piscina pública francesa, que, depois de várias situações bizarras durante a infância, ficou conhecido apenas por Pi. Ele vive com seus pais e com seu irmão mais velho, Ravi. O pai tem um zoológico, que, de início é lucrativo, mas devido às crises dos anos 1960, a família resolve sair do país em busca de melhores condições de vida. Decidem, então, ir ao Canadá de navio. Em uma das noites de viagem, porém, Pi acorda no meio de uma forte tempestade e sobrevive a um naufrágio (em uma cena espetacular de ação) e perde toda a sua família, mas ele e alguns animais sobrevivem, que vão morrendo aos poucos, menos o tigre Richard Parker, com quem ele convive por toda a sua jornada.



            Eu vou parar a história por aqui, pois quanto menos se sabe da história, melhor, mas além da técnica impecável e do roteiro eficiente, “As Aventuras de Pi” toca, também, na questão religiosa, pois o protagonista é adepto à 3 religiões, inclusive o hindu-cristão, que não é muito diferente do nosso catolicismo mas com origens hindus.


            O interessante dos trabalhos de Ang Lee, é que ele não tem uma identidade ou uma marca em seus filmes. Nenhuma obra sua se parece com a outra. Se pegarmos os melhores filmes da carreira dele, que são “Razão e Sensibilidade”, “O Tigre e o Dragão” e “O Segredo de Brokeback Mountain”, vemos que ele é um diretor que trilha muito por caminhos diferentes, mas sempre centralizado nas emoções humanas, mesmo nessa superprodução aqui, que emociona, e muito o espectador.



            Eu só tenho uma ressalva a fazer: mesmo sendo um filme de mais de 2 horas, ele simplesmente passa rápido por algumas questões: a parte religiosa, por exemplo, tão explorada no livro e tão filosófica que acompanha o nosso protagonista até o desfecho, simplesmente inexiste na metade final, tornando o desfecho mais fraco, o mesmo vale para os amores de Pi: sua namorada de infância e sua nova esposa também inexistem na história.

            Mas mesmo com essas ressalvas, não há dúvida de que “As Aventuras de Pi” seja um dos filmes mais notáveis de 2012 e desde já, forte concorrente ao Oscar de 2013, mesmo que seja nas categorias técnicas.



Trailer do Filme


Mississipi em Chamas


Mississipi em Chamas (Mississipi Burning)
Direção: Alan Parker
Ano de produção: 1988
Com: Gene Hackman, Willem Dafoe, Frances McDormand.
Gênero: Drama
Classificação Etária: 14 Anos
Nota: 10,0

Só a ignorância humana explica o episódio de “Mississipi em Chamas”.

            Recentemente eu assisti a “Histórias Cruzadas”, um drama de 2011, em que uma escritora realiza um livro contando a convivência doméstica do ponto de vista das empregadas. A história se passava em Mississipi, um estado norte-americano no sul do país, no início dos anos 1960, onde na época havia um radical sistema de segregação racial, onde negros e brancos deveriam viver separadamente, inclusive banheiros e restaurantes separados. Quando eu assisti, foi impossível não haver aquele sentimento de indignação. Não há explicação para, em pleno século XX, no Ocidente “civilizado” um absurdo desses.

            Levando agora para o mesmo local e época, com o mesmo problema de segregação racial, porém, muito mais radical, temos a história de “Mississipi em Chamas”. Esse ótimo drama, ultra-violento, que incendiou a sociedade americana no final dos anos 80, criando polêmicas de todos os lados, inclusive sendo acusado de racismo. Dirigido por Alan Parker (de “Coração Satânico”) e protagonizado por Gene Hackman e Willem Dafoe, “Mississipi em Chamas” venceu o Oscar de Fotografia, sendo ainda indicado a Melhor Ator (Hackman), Atriz Coadjuvante (Frances) e de Melhor Filme, mas perdeu para “Rain Man”.



            Mississipi em Chamas é baseado em uma história real, em que dois agentes do FBI (Hackman & Dafoe) vão ao Estado de Mississipi investigar o desaparecimento de 3 jovens ativistas dos direitos civis, sendo um deles negro. Os principais suspeitos são os integrantes do grupo Ku Klux Klan, que pregava a superioridade branca e o extermínio da raça “preta”. Mesmo sendo, nos dias de hoje, um grupo teoricamente enfraquecido, estima-se que há cerca de 6 mil membros dos KKK (como são conhecidos entre si). O filme acompanha a busca pelos líderes desse grupo e o personagem de Hackman se envolve (mas não tem um caso), com a esposa (Frances) de um delegado e possível suspeito.


            25 anos depois de seu lançamento, “Mississipi em Chamas” prova por que não envelhece com o tempo e por que é um dos trabalhos mais tensos e definitivos dos anos 80, tem cenas clássicas como a cruz pegando fogo (dizem as más línguas que essa cena foi a inspiração de Madonna para seu clipe Like A Prayer, em 1989) e quando o personagem de Willem Dafoe conversa com um negro em um restaurante e todos olham para os dois com cara de desconfiança. E para dar um tom mais realista, durante um discurso para a sociedade branca, um dos líderes da Ku Klux Klan, Clayton Townley, fala da superioridade branca. Para essa cena, o diretor Alan Parker usou trechos reais do grupo KKK.

            O filme gerou muita polêmica na época de lançamento, aqui no Brasil, estreou em Fevereiro de 1989 e foi um sucesso de público e crítica. Os críticos, aliás, acharam, (eu também achei) que esse filme, e não Rain Man é que deveria levar o prêmio de Melhor Filme no Oscar de 1989.

            Mesmo com toda a violência é obrigatório para todos conhecerem esse passado triste da história americana, não é à toa que esse país permitia o racismo por lei, não foi à toa que toda a América Latina também permitia e permite que práticas raciais ocorram sem nada acontecer. Foi um longo caminho de luta pela liberdade de direitos raciais, fundamentalmente ao longo dos anos 60, principalmente naquele que foi um dos anos mais radicais da história: 1968. Martin Luther King e Malcolm X eram as vozes pelos direitos. As mudanças dependem sim, de nós. Entre muitas cenas incômodas ao longo do filme, tem uma em que o personagem de Willem Dafoe diz que todos aqueles que assistem sem fazer nada também são culpados pelas atrocidades. Infelizmente isso está mais presente em nossas vidas do que se imagina. Escândalos de corrupção, impunidade. Também somos culpados. Assim como a sociedade branca de Mississipi, que assistia a tudo até com um sentimento de aprovação. Assim como também, foi o Nazismo da Alemanha. Tudo é um ciclo. Essa é a nossa humanidade.

Trailer do Filme: