segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Azul é a cor mais quente



Azul é a cor mais quente (La Vie d’Adèle – Chapitres 1 et 2)

Direção: Abdellatif Kechiche

Ano de produção: 2013

Com: Adèle Exarchopoulos, Léa Seydoux.

Gênero: Romance

Classificação Etária: 18 Anos


‘Azul é a cor mais quente’ consegue ser ousado sem jamais perder a ternura.

            O que vemos na mídia sobre a sociedade em geral é que o mundo mudou, as coisas mudaram e o grande público amadureceu para o que é novo. De fato, isso tem um fundo de verdade, mas, alguns conceitos, como a intolerância religiosa, bem como o homossexualismo, parece que são tabus que demorarão muito tempo para serem quebrados. Mas, personagens gays não estão presentes no nosso dia-a-dia? Sim! Basta ligar a TV que temos lá um personagem caricato, que não representa a realidade e, sim, gera mais preconceito. É até inacreditável saber que, somente em 2014, tivemos um beijo gay na TV brasileira.

            E no cinema não é diferente. Em 2006, estreou o grande ‘O segredo de Brokeback Mountain’, que conta uma história de amor entre dois homens e suas tentativas de vidas “normais”. O filme foi o grande injustiçado do Oscar daquele ano e o público abandonou a obra pelo tema, digamos, explosivo.

            E não há outra explicação para a grande polêmica e não-aceitação do público para este filmaço chamado ‘Azul é a cor mais quente’.

            Não estou falando apenas em fracasso de bilheteria (pois é, se pensarmos que um filme tão ruim quanto ‘Transformers 4’ ter faturado mais de 1 bilhão de dólares, vemos que qualidade não significa bom público), mas a não aceitação do que se viu nas telas e até alguns risinhos grosseiros nas sessões do filme.

            Nem das premiações ‘Azul é a cor mais quente’ se livrou da polêmica. Quando o filme se consagrou com a Palma de Ouro em Cannes no ano passado, muita gente contestou o resultado e muita gente questionou se Steven Spielberg (que foi o presidente do Júri) havia se beneficiado com o resultado.

            Mas a verdade é que, se ‘Azul é a cor mais quente’ fosse um romance sobre, digamos, um bonitão milionário e uma moça pobre do interior, ninguém ligaria – nem se incomodaria.
            Foi o mesmo incômodo causado quando a atriz Lupita Nyong’o foi eleita a mais bonita do mundo e, pelo fato de ela ser negra, muita gente contestou se ela foi beneficiada ou se só estaria lá por sua condição.

            Mas ‘Azul é a cor mais quente’ teve uma grande vantagem: ao sair em DVD (não saiu em Blu-Ray exatamente pelo preconceito da distribuidora), chegou, simultaneamente, no Netflix. Espero, de verdade, que com essa mídia democrática que é o streaming, o filme tenha o reconhecimento merecido.

E pode não parecer, mas, ‘Azul é a cor mais quente’ é baseado em uma HQ. Os quadrinhos franceses bem sucedidos de Julie Maroh foram escritos em 2010 e têm um ponto de vista diferente do que vemos em tela. A HQ é cheia de lirismo e tem um final um pouco diferente do filme, e um conteúdo mais ousado do longa está longe dos quadrinhos. Isso não quer dizer que a coisa seja negativa. Muito pelo contrário. ‘Azul é a cor mais quente’ é uma grande adaptação e que se sustenta como filme independentemente do que é baseado.

Na história, temos uma jovem Adèle (Adèle Exarchopoulos, em um papel devastador). Ela é estudante, mas depois trabalha com educação infantil. Adèle é muito inteligente e tímida e passa mais tempo lendo do que conversando com os amigos. Adèle namora um sujeito que a respeita, mas, visivelmente, não está feliz. Tudo muda quando ela vê na rua uma moça de cabelos azuis, que desperta uma atração diferente nela e Adèle tem a impressão de liberar seus instintos que estavam ali presos (a cena da masturbação na cama é tão poética quanto ousada – além de ser bem feita). Alguns dias depois, Adèle conhece a tal moça, que se chama Emma. Ela é uma pintora e, logo no primeiro encontro, Emma desenha Adèle. Não demora muito para começar a atração entre elas e um grande romance.

Para muitos, o que causou repulsão em relação a esse filme não foi o tema, mas uma cena, que demora cerca de 10 minutos. É a primeira cena de sexo entre Adèle e Emma. A cena é sem pudor algum e pode surpreender até os menos conservadores. Alguns críticos defenderam que a cena é constrangedora e estraga o filme. Outros disseram que foi feita para tentar vender o filme para os mais espertinhos. Discordo das duas visões. O filme seria tão grandioso sem a cena? Com certeza! Mas, ela reflete a atração e o momento de descoberta de Adèle com seus desejos sempre reprimidos. Os closes em seu rosto, com a câmera destacando o suor e os lábios de Adèle fazem desse momento, inesquecível.

Mas nada é melhor em ‘Azul é a cor mais quente’ do que o drama da protagonista. A câmera acompanha as angústias, dúvidas, e pressões que a jovem recebe pelo momento de sua vida, que é a adolescência. Seus amigos não são necessariamente os melhores. Eles sempre bombardeiam Adèle com perguntas íntimas e criam rejeição a ela quando suspeitam de seu caso com Emma.

A temática intimista dada em acompanhar as angústias de uma jovem lembra um grande filme independente americano: “Aos Treze”, que é exatamente sobre uma menina tímida e carente que muda radicalmente de comportamento quando começa uma amizade com uma moça mais popular e mais “descolada”.

A grande diferença aqui é que Adèle não muda de comportamento. Ela continua a menina tímida e ingênua, mas, agora, sexualmente feliz.

Costuma-se criticar as traduções de títulos do idioma original para o português, mas, esse título, ‘Azul é a cor mais quente’, fez mais sentido do que ‘A vida de Adèle’, se traduzido ao pé da letra. A cor azul é praticamente um personagem do filme e reflete bem o sentimento de Adèle: enquanto ela tem a vida sexual e romântica com sua parceira, a cor azul está mais presente no filme e, conforme a coisa vai esfriando, a cor vai sumindo de cena (e até do cabelo de Emma). Inspiração total da trilogia das cores, ‘A liberdade é azul’, ‘A igualdade é branca’ e ‘A fraternidade é vermelha’, de 1994.

Uma grande pena em muitos grandes filmes – em especial, do cinema independente – é que muitos cineastas são pragmáticos e criteriosos e muitos atores reprovam isso. No caso de ‘Azul é a cor mais quente’, as protagonistas disseram que não queriam trabalhar nunca mais com o diretor, Abdellatif Kechiche, nascido na Tunísia.

Uma coisa parecida ocorre com quem trabalha com Lars Von Trier, que, a cada filme, dificilmente não compra briga com seus atores.

Espero de verdade que, agora que ‘Azul é a cor mais quente’ está na Netflix – e com grande destaque – que seja reconhecido pelo grande público, que não fique apenas no cenário indie e ganhe status de Cult.

E o filme não seria o mesmo sem uma grande atriz, no caso, Adèle Exarchopoulos no papel de Adèle. Linda e ótima atriz, ganhou vários prêmios por esse papel corajoso, mas foi rejeitada nas premiações do cinemão americano, como o Oscar e Globo de Ouro. Considerando que a vencedora do Oscar deste ano foi Cate Blanchett pelo mediano ‘Blue Jasmine’, a não-indicação para Adèle foi um insulto.

Com todas essas qualidades, alguém duvida que foi o preconceito que fez ‘Azul é a cor mais quente’ ficar de fora do Oscar este ano?


Nota: 10,0

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