sábado, 5 de julho de 2014

Encontros e Desencontros



Encontros e Desencontros (Lost in Translation)


Direção: Sofia Coppola

Ano de produção: 2003

Com: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris.

Gênero: Comédia Dramática

Classificação Etária: 14 Anos


Sofia faz de “Encontros e Desencontros” sua obra-prima.

            Sofia Coppola praticamente nasceu em um set de filmagem. Seu ano de nascimento é 1971 e é ela o bebê de “O Poderoso Chefão”, de 1972. O motivo principal é, claro, seu pai, o grande Francis Ford Coppola, diretor do “Poderoso Chefão”. Com um nome desses, obviamente que ela não poderia ficar de fora do mundo do cinema e logo começou a tomar as rédeas do negócio.

            Seu grande momento viria em 1990, quando seu pai a chamou para fazer a Mary Corleone em “O Poderoso Chefão 3”.

            Mas o resultado foi um desastre. Muita gente associa a não aceitação do filme ao papel de Sofia.

            Ela ganhou o prêmio Framboesa de Ouro em 1991 de Pior Atriz Coadjuvante pelo filme e ficou anos até ser vista novamente pelos holofotes. Em 1997 ela protagoniza o clipe Elektrobank, da banda The Chemical Brothers e dirigido por Spike Jonze.

            Seu retorno ao cinema foi em 1999, com a superprodução “Star Wars I – A Ameaça Fantasma”. E novamente Sofia foi muito criticada e também indicada a Pior Atriz Coadjuvante pelo papel.

            O reverso da medalha veio no mesmo ano, 1999. Ela realiza um filme lindo, intimista e foi um suspiro para quem estava carente de filmes autorais: “As Virgens Suicidas”, que é sensacional.

            Com o sucesso de crítica, de “As Virgens Suicidas”, Sofia teve sinal verde para escrever e dirigir seu filme seguinte, “Encontros e Desencontros”.

            Antes de qualquer coisa, esqueça esse título inútil em português. Vendeu o filme da pior maneira possível, como uma comédia romântica para os apaixonados, o que não tem nada a ver. Seu título original, “Perdido na Tradução”, combina muito mais com o espírito do filme.

            “Encontros e Desencontros” conta a história de Bob Harris (Bill Murray – no melhor papel de sua carreira) que é um famoso ator de cinema e agora está gravando um comercial de uísque em Tóquio, deixando nos EUA seu filho e esposa. Em uma certa noite, ele conhece, no bar do hotel, a simpática Charlotte (Scarlett, também ótima!). Os dois passam a maior parte do tempo sozinhos, Bob não conhece ninguém em terras japonesas e Charlotte até tem, seu marido, John, que é fotógrafo e está em Tóquio a trabalho. Mas ele a deixa mais tempo sozinha e é essa solidão que a faz aproximar de Bob. Os dois ficam, então, amigos e se aventurando por essa terra desconhecida chamada Japão.

            Dizer que “Encontros e Desencontros” é um romance é absurdo. É um filme que fala de solidão, fala muito com o tema da globalização e é uma crítica até ácida à Hollywood atual. Explico esses três motivos.

            Sofia é uma diretora tão segura e com o pé no chão que, em momento algum o filme caminha para o romance hollywoodiano. Muito pelo contrário. Bob e Charlotte falam de suas vidas como velhos amigos, contam piadas juntos e suprem seus momentos mais baseados no “Carpe Diem”, ou, “aproveite o dia” do que com interesses sexuais. Os dois querem, portanto, mais viver do que sobreviver.  Em uma cena, Charlotte fala para Bob: “Se voltarmos para cá, não será como agora, vamos aproveitar o hoje”. E muitas vezes temos que fazer isso em nossas vidas, aproveitar mais o momento porque nada volta como era antes e o momento passa e a pessoa não viveu.

            Há uma cena, lá pela metade do filme em que os personagens estão em um karaokê e Charlotte canta a canção “Brass in Pocket” de “The Pretenders” especialmente para Bob. Quem a vê de fora, parece mais uma cena musical, mas só quem acompanha e se apaixona pelo filme que realmente entende o porquê o motivo da cena ser poética.

            Em alguns momentos, quase não há diálogos. Muitas vezes a trilha sonora sensacional e lúdica fala por si só. Além do próprio olhar e semblante dos protagonistas. Mas há quem se engane quem acha que, por não ter romance o filme não tem sentimentos. Ao contrário, é dos filmes mais verdadeiros e humanos do cinema recente. Como não se apaixonar por cada tomada de Bob e Charlotte e por mais que o foco seja os dois juntos, também não podemos nos esquecer que seus momentos sozinhos também dizem muito sobre o filme e fala muito com o que passamos hoje: em que se sentimos solitários internamente e que de vez em quando nossas amizades e escolhas nos fazem felizes por poucos momentos.

            Mas o filme não é só sentimentos, na verdade, o roteiro de Sofia também se abriu às metáforas do mundo globalizado e para criticar a mesma Hollywood que quase a expulsou de fazer o que ela mais ama, que é cinema.

            A paisagem de Tóquio também é, de certa forma, um personagem do filme. Essa grande cidade que se divide entre a “ocidentalização” e tradição de seu povo é retratada de forma única com uma direção de arte e fotografia cheia de detalhes e de encher os olhos. Muita gente criticou Sofia por achar que ela falou mal do Japão e colocou esse país no filme de forma pejorativa. Discordo completamente. Sofia quis mostrar aqui o quanto o Japão é um país que respeita seu povo e tradição e ela usa essa grande metrópole como metáfora para a solidão urbana. Além do mais, o “pejorativo” que muita gente diz é a crítica que Sofia faz a Hollywood e ao mundo da publicidade, e não do povo japonês. Aliás, quem tiver o DVD, há um making of em que Sofia declara seu amor ao Japão e, sem as locações, ela não conseguiria fazer seu filme como ela gostaria.

            E as críticas à Hollywood e à indústria da publicidade se refletem em dois momentos: logo na abertura, Bob está na gravação de seu comercial de uísque e o diretor fala (em japonês) que o comercial está mal feito. Bob refaz a cena e apresenta até um sarcasmo claramente, depois o diretor aprova. É uma crítica ao bom gosto do mundo bizz. E a crítica ao mundo de Hollywood está em uma coletiva de imprensa de um filme de ação fictício, Midnight Velocity, em que a protagonista do “filme”, Kelly (Anna Faris, da cinessérie “Todo Mundo em Pânico”) é o típico clichê das atrizes adolescentes que estão mais preocupadas em aparecer do que trabalhar. E não devemos nos esquecer que Bob é o retrato de um ator em decadência e também um retrato do descaso que a indústria cinematográfica faz com seus ídolos.

            “Encontros e Desencontros” venceu o Oscar de Roteiro Original. A própria Sofia escreveu o roteiro e a premiação foi mais do que justa. O filme ainda foi indicado de Direção para Sofia Coppola, Melhor Filme e Ator para Bill Murray.

            A perda de Filme e Direção foi até justa, pois o vencedor nesses casos foi “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” e não se pode falar em injustiça nesse caso. Mas a derrota para Melhor Ator foi um insulto. Quem venceu foi Sean Penn por “Sobre Meninos e Lobos”. A injustiça foi tão grande que o próprio Bill Murray fez questão de não aplaudir Sean Penn pelo prêmio. E não devemos nos esquecer que o filme ainda foi ignorado em mais 5 categorias que, no meu conceito, deveriam ser lembradas: Melhor Atriz para Scarlett Johansson (ela não ter sido indicada por sua Charlotte foi ainda pior do que a não premiação de Bill Murray); Fotografia, Direção de Arte, Trilha Sonora e Edição.

            Assistir a um filme de Sofia é sempre bom e é melhor ainda saber que ela é uma diretora autoral e escreve tão bem quanto seu pai, Francis. E para quem a criticou e torceu por seu fracasso na carreira por seu sangue e por “O “Poderoso Chefão 3”, digo aqui: Sofia está aí para ficar e é das melhores pessoas da Hollywood atual. Pronto, falei!


Nota: 10,0

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