segunda-feira, 30 de junho de 2014

Perdidos na Noite



Perdidos na noite (Midnight Cowboy)


Direção: John Schlesinger

Ano de produção: 1969

Com: Jon Voight, Dustin Hoffman, Sylvia Miles.

Gênero: Drama

Classificação Etária: 16 Anos


O cinema de autor um dia definiu Hollywood

            Na segunda metade dos anos 1960, Hollywood estava falida. Após a explosão dos musicais nos anos 1950, os estúdios se viam em uma crise de criatividade e a falta de uma corrente nova que definisse aquele tempo. E qual foi a saída para tirar Hollywood do buraco? Bom, estamos falando de uma época em que manifestações eram intensas no mundo inteiro e que a rebeldia era a palavra da vez. E foi preciso unir alguns aspirantes a cineastas considerados rebeldes para criar uma nova safra dos filmes americanos: o chamado “cinema de autor”, que são aqueles filmes em que o diretor ou o roteirista têm liberdade total para colocar tudo o que lhe vem à sua cabeça em sua obra. Hoje em dia ainda existem filmes assim, mas estão basicamente no circuito fechado, longe do circuito comercial. São os estúdios que comandam o entretenimento e dão a palavra final. Alguns diretores ainda conseguem alguma autonomia, mesmo nos blockbusters, como Christopher Nolan e J. J. Abrams. Porém, ainda longe do ideal.

            E quais eram esses rebeldes dos anos 1960? Ninguém menos do que Steven Spielberg, George Lucas, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Brian de Palma.

            E há exatos 45 anos, estreava um filme 100% autoral e uma grande aula de como trabalhar com atores, locações belas e trilha sonora que tem tudo a ver com o que o filme diz: “Perdidos na noite”, que marca a estréia do cineasta britânico ao cinema americano John Schlesinger (que morreu em 2003 aos 77 anos). O filme também marcou a estréia de Jon Voight (pai de Angelina Jolie na vida real) nos cinemas. A sua escolha como protagonista foi ousada, quando Warren Beatty era o mais cotado, o diretor sabia o que estava fazendo em colocar um ator com menos glamour em um papel tão denso. E o filme também tem Dustin Hoffman, que estava fresquinho com seu grande sucesso na obra-prima “A primeira noite de um homem”, em 1967.

            “Perdidos na noite” surgiu como um filme pequeno e alternativo e foi ganhando festivais, até a Academia reconhecê-lo e se tornar não só um sucesso de crítica, mas também de público.

            O filme foi o grande vencedor do Oscar de 1970 de Melhor Filme, e ainda ganhou os prêmios de direção e roteiro adaptado. Os atores Jon Voight e Dustin Hoffman foram indicados a Melhor Ator, mas perderam (injustamente) para John Wayne por “Bravura Indômita”.

            A escolha de “Perdidos na noite” para Melhor Filme também foi uma aposta considerada ousada. Esse foi o primeiro caso da Academia em que um filme com classificação “X” (não recomendado para menores de 17 anos) obteve o prêmio principal. Após os prêmios, o filme foi reclassificado para “R” (onde menores podem ver com a presença dos pais e responsáveis). Aqui no Brasil, seria algo como “Classificação 18 Anos”. Tudo isso é um exagero, diga-se de passagem. O filme gerou essa polêmica por falar em prostituição masculina e do submundo de uma grande cidade como Nova York.

Muito à frente do seu tempo, “Perdidos na noite” sobrevive a tudo isso que se tornou cultuado e lembrado até os dias de hoje. É quase o mesmo caso de “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, que foi um filme acusado de violento e com temática sexual, mas o tempo comprovou sua genialidade e questões abordadas.

            Na história de “Perdidos na noite”, temos um caubói texano, Joe (Voight, sensacional no papel e merecia o Oscar de Melhor Ator!) que parte de sua cidade natal, Texas, rumo à Nova York para tentar a sorte. Lá, ele conhece “Ratzo” Rizzo (Hoffman, igualmente ótimo!), que é um grande aproveitador e com sua saúde piorando aos poucos em especial por sua deficiência na perna direita. Os dois passam a morar juntos no condado do Bronx, considerado a periferia de Nova York. A realidade da metrópole, porém, não é o que Joe esperava. Ele passa a ganhar a vida como garoto de programa e tirando dinheiro das madames, inclusive da socialite Cass (Sylvia Miles) – em uma cena espetacular. Sem dinheiro e com muito charme, é basicamente dessa forma que Joe vai ganhando a vida em Nova York.

            Além desse tema explosivo, que é a prostituição masculina (um tabu até hoje), o filme não se resume somente a isso. Muito pelo contrário, “Perdidos na noite” é munido de sentimentos e de empatia com os protagonistas. É um belo retrato e metáfora da migração das pequenas para as grandes cidades. Aqui no Brasil esse é um fenômeno comum, em especial de quem vem do Nordeste para o Rio de Janeiro e São Paulo, e nos EUA isso também acontece.

            Também é dos últimos suspiros e referências dos grandes Westerns, tão popularizados nos anos 1960 e que viam o fim de seu auge.

            “Perdidos na noite” tem uma fotografia e câmeras perfeitas. Basicamente não há tomadas em estúdios, tudo foi realizado no Bronx, para uma maior realidade das cenas. Muito antes de Scorsese mostrar uma Nova York sombria em Taxi Driver, a metrópole suburbana de “Perdidos na noite” tem ares de vazia e sem vida.

            A cena em que os protagonistas estão em uma festa com sexo, drogas e rock n’ roll é uma referência clara à sua época, em que a rebeldia, o movimento hippie e o amor livre tomavam conta do mundo. Repare que estamos falando do ano de 1969, que teve o festival de Woodstock.

            A trilha sonora que embala o filme, em especial na seqüência de abertura, é dessas clássicas do cinema e que marcam um filme para sempre. Logo   que começa o filme, temos o personagem de Jon Voight caminhando pelas ruas do Texas ao som da canção Everybody’s talkin.

            Para apreciar “Perdidos na noite”, deve-se vê-lo com a cabeça dos anos 60/70. Não se deve compará-lo ao cinema milionário de hoje, pois isso é tão covarde quanto injusto. E se filmes bons são aqueles que não morrem com o tempo, “Perdidos na noite” é a prova viva disso, 45 anos após seu lançamento.
             

Nota: 10,0

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