terça-feira, 8 de setembro de 2015

Magnífica 70 - 1ª Temporada


Magnífica 70 – 1ª temporada

Criada por: Cláudio Torres, Renato Fagundes, Leandro Assis

2015

Com: Marcos Winter, Simone Spoladore, Adriano Garib, Paulo Cesar Pereio, Maria Luisa Mendonça, Stepan Nercessian, Juliana Galdino, Leandro Firmino, Julia Ianina, Joana Fomm.

Drama

16 Anos


Magnífica 70 é brilhante e reacende o debate sobre intervenção militar

            Existem grandes filmes nacionais sobre o período de ditadura militar, cada um à sua maneira representou de forma honesta e imparcial o período, são eles: ‘O Que É Isso, Companheiro?’ (que foi indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro em 1998), ‘Lamarca’, ‘Ação Entre Amigos’ ‘Cabra Marcado Para Morrer’, dentre muitos outros. Mas a TV ainda fica devendo quando se trata do período. Em 1992 tivemos a série ‘Anos Rebeldes’, que foi muito boa, tinha um elenco extraordinário, mas continha todas as limitações que a TV aberta exige. Faltava um produto genuinamente brasileiro para falar disso na televisão.

            Mas, nada como um canal que não tem medo de ousar e nem das opiniões contrárias para nos agraciar. A HBO é conhecida por isso, em se arriscar em superproduções, não se preocupar com o politicamente correto e dar mais liberdade aos seus autores.

            Como diz no slogan: “não é TV, é HBO”.

            Isso não é propaganda de graça para o canal, basta ver que eles são responsáveis por séries como ‘Game of Thrones’, ‘True Detective’ ‘Masters of Sex’ e ‘O Negócio’ atualmente. E historicamente temos ‘Família Soprano’, ‘Mad Men’, ‘Band of Brothers’, dentre muitas outras.

            E em 2015 foi lançada uma série brasileira que retrata o período militar, sobretudo na que diz à censura prévia: Magnífica 70 não é só a melhor série brasileira em anos, mas é uma prova que o Brasil pode fazer uma produção tão boa – ou melhor – do que as séries americanas e britânicas. E se tiver em boas mãos, pode pegar as limitações de orçamento e transformar em algo poderoso.

            Tudo isso é fruto das direções brilhantes de Claudio Torres e Carolina Jabor, que intercalam a direção dos episódios.

            É uma série da HBO e obviamente não tem o mesmo orçamento de Game of Thrones, por exemplo, mas é uma bela reconstituição de época, com uma trama poderosa e sem medo de ser ousada. Muito ao contrário do que a TV aberta está fazendo hoje em dia, na qual a nudez e o sexo são gratuitos e funcionam mais para audiência, aqui ela é representativa pela trama de repressão.

            Na história, temos Vicente (Marcos Winter, brilhante!) que trabalha como sensor em São Paulo e todas as produções de audiovisual devem passar por ele, na qual ele avalia se a obra pode passar na íntegra, fazer alguns cortes ou simplesmente proibi-la.

            Em um dia corriqueiro de trabalho ele proíbe um filme da Boca do Lixo, dirigido por Manolo (Adriano Garib, sempre ótimo!) em que uma estudante de um convento é reprimida por suas vontades sexuais e nesse contexto Manolo e sua protagonista Dora Dumar (Simone Spoladore, no melhor papel da sua carreira) vão lá reclamar e questionar o porquê da censura. Quando Vicente vê os dois conversando sobre o enorme trabalho de se fazer um filme, ele decide que algumas cenas devem ser refeitas. Acontece que o próprio Vicente dirige o que deve ser feito e com o sucesso de sua direção, ele é chamado para uma nova dirigir um novo filme da chamada Boca do Lixo.           

            Magnífica 70 não é apenas brilhante por tratar de um período delicado da história brasileira, nem só por seu roteiro inteligentíssimo, mas também porque é um grande retrato sobre como funciona a produção de um filme no Brasil, com toda a burocracia e falta de vontade dos investidores, mas, sobretudo, no tratamento dos personagens. Todos têm segredos, cada um esconde algo e quanto mais se descobre, mais fascinante o personagem fica. Ninguém é exatamente mocinho e ninguém é exatamente vilão. Todos têm motivações de forma direta ou indireta com a censura e a produção do filme, que recebeu o nome de “Minha Cunhada é de Morte”.

            Vicente tem que lidar com a pressão de avaliar os filmes com rigor, a pressão do casamento com Isabel (papel de Maria Luisa Mendonça) e a pressão de dirigir o filme. E nenhuma das duas partes pode saber da outra, ou seja, ele dirige o filme na Boca do Lixo em segredo e mantém seu trabalho como sensor.

            E para piorar, depois descobrimos que seu sogro (pai de Isabel) é um general do exército, o General Souto e seu casamento foi arranjado, já que ele não sente atração nenhuma por Isabel (mas ela sente por ele), sua obsessão era da irmã de Isabel, Ângela, mas depois ele começa a sentir atração por Dora.

            Já Dora, que na verdade se chama Vera, é uma ladra, seu irmão tem uma dívida com um criminoso, mas ela segue seu sonho de ser atriz. A série deixa dúvida o tempo todo se ela está lá para roubar o dinheiro do cinema ou se o seu sonho de atuar é verdadeiro.

            Já Manolo é um ex-caminhoneiro que entrou no mundo do cinema muito por acaso, mas agora é sua fonte de renda e um produtor lucrativo da Boca do Lixo.

            Para quem não sabe, a Boca no Lixo fica na região central de São Paulo (onde ficava a cracolândia) e era um lugar de produções baratas de cunho sexual – era a chamada pornochanchada.

            Por se tratar de uma homenagem também ao cinema, as referências à 7ª arte estão nas produções da época que eram proibidas, como ‘O Último Tango em Paris’, referências a Clint Eastwood (no personagem “Flint Westwood”) e a ‘O Encouraçado Potemkim’ (visto como subversivo na época). Mas a melhor referência fica com Laranja Macânica, de Stanley Kubrick:

            Hoje em dia não existe lista dos melhores filmes da história sem Laranja Mecânica, mas na época era visto também como subversivo, foi proibido no Brasil, sendo liberado apenas em 1978 e com uma tarja preta para cobrir um pêlos pubianos, sendo liberado na íntegra somente anos depois. Vicente entrega para um dos funcionários da filmagem que já viu Laranja Mecânica e sua música é tocada constantemente, sobretudo na produção de “Minha Cunhada é de Morte”.

            Magnífica 70 trata o regime militar de forma imparcial, o foco está mais na censura das produções, que se tornou mais agressiva conforme o regime se intensificava e tudo tinha que respeitar “a moral e os bons costumes”.

            A repressão é mais representativa na figura do General Souto, que sim, defende a moral citada acima, está na caça aos comunistas e em um dos discursos diz que a mulher deve ser submissa ao homem. E embora ele seja quem mais se aproxima de um vilão, também se torna um personagem mais fascinante conforme a série vai passando, sobretudo quando descobrimos seus segredos.

            Magnífica 70 já foi renovada para a segunda temporada. O que é muito bom pois não faltam são assuntos para retratar o período e antes que algum infeliz diz que “isso já passou”, é importante conhecer o passado para entender o presente e considerando que muita gente hoje pede a volta do regime, é importante ver como a cultura e a sociedade funcionava na época.

E tem mais: assim como o nazismo e a 2ª Guerra Mundial, são períodos que merecem e devem ser lembrados para servirem de exemplo àqueles de memória curta. Ou àqueles que dizem que aquela era uma “época boa”.

Nota: 10,0

Imagens:












Trailer:

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