Azul é a cor mais quente (La Vie d’Adèle – Chapitres 1 et
2)
Direção: Abdellatif Kechiche
Ano de produção: 2013
Com: Adèle Exarchopoulos, Léa Seydoux.
Gênero: Romance
Classificação
Etária: 18 Anos
‘Azul
é a cor mais quente’ consegue ser ousado sem jamais perder a ternura.
O que vemos na mídia sobre a sociedade em geral é que o
mundo mudou, as coisas mudaram e o grande público amadureceu para o que é novo.
De fato, isso tem um fundo de verdade, mas, alguns conceitos, como a
intolerância religiosa, bem como o homossexualismo, parece que são tabus que
demorarão muito tempo para serem quebrados. Mas, personagens gays não estão
presentes no nosso dia-a-dia? Sim! Basta ligar a TV que temos lá um personagem
caricato, que não representa a realidade e, sim, gera mais preconceito. É até
inacreditável saber que, somente em 2014, tivemos um beijo gay na TV
brasileira.
E no cinema não é diferente. Em 2006, estreou o grande ‘O
segredo de Brokeback Mountain’, que conta uma história de amor entre dois
homens e suas tentativas de vidas “normais”. O filme foi o grande injustiçado
do Oscar daquele ano e o público abandonou a obra pelo tema, digamos,
explosivo.
E não há outra explicação para a grande polêmica e
não-aceitação do público para este filmaço chamado ‘Azul é a cor mais quente’.
Não estou falando apenas em fracasso de bilheteria (pois
é, se pensarmos que um filme tão ruim quanto ‘Transformers 4’ ter faturado mais
de 1 bilhão de dólares, vemos que qualidade não significa bom público), mas a
não aceitação do que se viu nas telas e até alguns risinhos grosseiros nas
sessões do filme.
Nem das premiações ‘Azul é a cor mais quente’ se livrou
da polêmica. Quando o filme se consagrou com a Palma de Ouro em Cannes no ano
passado, muita gente contestou o resultado e muita gente questionou se Steven
Spielberg (que foi o presidente do Júri) havia se beneficiado com o resultado.
Mas a verdade é que, se ‘Azul é a cor mais quente’ fosse
um romance sobre, digamos, um bonitão milionário e uma moça pobre do interior,
ninguém ligaria – nem se incomodaria.
Foi o mesmo incômodo causado quando a atriz Lupita
Nyong’o foi eleita a mais bonita do mundo e, pelo fato de ela ser negra, muita
gente contestou se ela foi beneficiada ou se só estaria lá por sua condição.
Mas ‘Azul é a cor mais quente’ teve uma grande vantagem:
ao sair em DVD (não saiu em Blu-Ray exatamente pelo preconceito da
distribuidora), chegou, simultaneamente, no Netflix. Espero, de verdade, que
com essa mídia democrática que é o streaming, o filme tenha o reconhecimento merecido.
E pode
não parecer, mas, ‘Azul é a cor mais quente’ é baseado em uma HQ. Os quadrinhos
franceses bem sucedidos de Julie Maroh foram escritos em 2010 e têm um ponto de
vista diferente do que vemos em tela. A HQ é cheia de lirismo e tem um final um
pouco diferente do filme, e um conteúdo mais ousado do longa está longe dos
quadrinhos. Isso não quer dizer que a coisa seja negativa. Muito pelo
contrário. ‘Azul é a cor mais quente’ é uma grande adaptação e que se sustenta
como filme independentemente do que é baseado.
Na
história, temos uma jovem Adèle (Adèle Exarchopoulos, em um papel devastador).
Ela é estudante, mas depois trabalha com educação infantil. Adèle é muito
inteligente e tímida e passa mais tempo lendo do que conversando com os amigos.
Adèle namora um sujeito que a respeita, mas, visivelmente, não está feliz. Tudo
muda quando ela vê na rua uma moça de cabelos azuis, que desperta uma atração
diferente nela e Adèle tem a impressão de liberar seus instintos que estavam
ali presos (a cena da masturbação na cama é tão poética quanto ousada – além de
ser bem feita). Alguns dias depois, Adèle conhece a tal moça, que se chama
Emma. Ela é uma pintora e, logo no primeiro encontro, Emma desenha Adèle. Não
demora muito para começar a atração entre elas e um grande romance.
Para
muitos, o que causou repulsão em relação a esse filme não foi o tema, mas uma
cena, que demora cerca de 10 minutos. É a primeira cena de sexo entre Adèle e
Emma. A cena é sem pudor algum e pode surpreender até os menos conservadores.
Alguns críticos defenderam que a cena é constrangedora e estraga o filme. Outros
disseram que foi feita para tentar vender o filme para os mais espertinhos.
Discordo das duas visões. O filme seria tão grandioso sem a cena? Com certeza!
Mas, ela reflete a atração e o momento de descoberta de Adèle com seus desejos
sempre reprimidos. Os closes em seu rosto, com a câmera destacando o suor e os
lábios de Adèle fazem desse momento, inesquecível.
Mas
nada é melhor em ‘Azul é a cor mais quente’ do que o drama da protagonista. A
câmera acompanha as angústias, dúvidas, e pressões que a jovem recebe pelo
momento de sua vida, que é a adolescência. Seus amigos não são necessariamente
os melhores. Eles sempre bombardeiam Adèle com perguntas íntimas e criam rejeição
a ela quando suspeitam de seu caso com Emma.
A
temática intimista dada em acompanhar as angústias de uma jovem lembra um
grande filme independente americano: “Aos Treze”, que é exatamente sobre uma
menina tímida e carente que muda radicalmente de comportamento quando começa
uma amizade com uma moça mais popular e mais “descolada”.
A
grande diferença aqui é que Adèle não muda de comportamento. Ela continua a
menina tímida e ingênua, mas, agora, sexualmente feliz.
Costuma-se
criticar as traduções de títulos do idioma original para o português, mas, esse
título, ‘Azul é a cor mais quente’, fez mais sentido do que ‘A vida de Adèle’,
se traduzido ao pé da letra. A cor azul é praticamente um personagem do filme e
reflete bem o sentimento de Adèle: enquanto ela tem a vida sexual e romântica
com sua parceira, a cor azul está mais presente no filme e, conforme a coisa
vai esfriando, a cor vai sumindo de cena (e até do cabelo de Emma). Inspiração
total da trilogia das cores, ‘A liberdade é azul’, ‘A igualdade é branca’ e ‘A
fraternidade é vermelha’, de 1994.
Uma
grande pena em muitos grandes filmes – em especial, do cinema independente – é
que muitos cineastas são pragmáticos e criteriosos e muitos atores reprovam
isso. No caso de ‘Azul é a cor mais quente’, as protagonistas disseram que não
queriam trabalhar nunca mais com o diretor, Abdellatif Kechiche, nascido na
Tunísia.
Uma
coisa parecida ocorre com quem trabalha com Lars Von Trier, que, a cada filme,
dificilmente não compra briga com seus atores.
Espero
de verdade que, agora que ‘Azul é a cor mais quente’ está na Netflix – e com
grande destaque – que seja reconhecido pelo grande público, que não fique
apenas no cenário indie e ganhe status de Cult.
E o
filme não seria o mesmo sem uma grande atriz, no caso, Adèle Exarchopoulos no
papel de Adèle. Linda e ótima atriz, ganhou vários prêmios por esse papel
corajoso, mas foi rejeitada nas premiações do cinemão americano, como o Oscar e
Globo de Ouro. Considerando que a vencedora do Oscar deste ano foi Cate
Blanchett pelo mediano ‘Blue Jasmine’, a não-indicação para Adèle foi um
insulto.
Com
todas essas qualidades, alguém duvida que foi o preconceito que fez ‘Azul é a
cor mais quente’ ficar de fora do Oscar este ano?
Nota:
10,0
Imagens:
Trailer:
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