quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A hora mais escura

A hora mais escura (Zero Dark Thirty)


Direção: Kathryn Bigelow

Ano de produção: 2012

Com: Jessica Chastain, Jason Clarke.

Gênero: Drama

Classificação Etária: 16 Anos



“A hora mais escura” mexe num vespeiro sem explorá-lo.

            Há 3 anos, em 2010, a diretora Kathryn Bigelow conseguiu quebrar um tabu da Academia com seu “Guerra ao Terror”: se tornar a primeira diretora a levar o Oscar de Direção. E Bigelow não foi só a primeira mulher a levantar a estatueta como ela conseguiu em um filme modesto e de pouco orçamento, derrubar um arrasa-quarteirão que foi “Avatar”. E também provou com “Guerra ao Terror”, ou “The Hurt Locker” – o título original, que há sim, sentimento puro em uma zona de guerra, de mostrar que um conflito não é moldado só de heróis, mocinhos e vilões, mas que, infelizmente há jogo de interesses e a guerra é feita de humanos. É, portanto, diferente dos maniqueísmos e patriotismos em filmes do gênero em Hollywood (não é, Sr. Michael Bay?).

            E agora com seu “Zero Dark Thirty”, ou “A hora mais escura” – na tradução brasileira, que, aliás, faz todo o sentido se colocado em conta o contexto do filme, Kathryn Bigelow prova que não perdeu a mão de colocar o dedo na ferida, mesmo que possa incomodar o grande público. O pano de fundo pode ser o mesmo, que é a questão do terrorismo, mas a questão aqui é muito mais polêmica e profunda. Se em “Guerra ao Terror”, tínhamos os conflitos da Guerra do Iraque, aqui temos a caçada e captura de Osama Bin Laden. E é mais polêmico por uma razão muito simples: a Guerra do Iraque foi um conflito apresentado para as câmeras do mundo inteiro, os bombardeios, a vida em Bagdá e a queda do ditador Saddam Hussein. Foi, aliás, a primeira guerra transmitida em tempo real pela internet. E aqui, em se tratando de Osama Bin Laden, quase tudo o que se sabe são especulações. Mesmo quando estava eclodindo na mídia, em 2001, o assunto Torres Gêmeas e o Terrorismo, pouco se sabia sobre Bin Laden. E depois a busca por ele se tornou mais difícil, principalmente pela quantidade de sósias de esconderijos que ele possui em seu país. Mesmo sua morte, em 2011 é contestada por muitos: muita gente diz que foi montagem ou propaganda política americana.

            Polêmicas à parte, “A hora mais escura” se baseia, fundamentalmente, não em fatos reais, mas em depoimentos e relatos de toda a caça a Bin Laden e aos bastidores da guerra ao terrorismo. Foi, portanto, arriscado de se produzir e escrever.

            A hora mais escura conta a captura de Bin Laden no Paquistão ocorrida (ou não!) em 2011, o filme nos leva a história desde 2003, quando estava eclodindo a Guerra do Iraque, passando pela explosão no metrô de Londres em 2005, até a captura do terrorista há dois anos.

            A diretora Kathryn Bigelow juntou a mesma equipe de “Guerra ao Terror” e nos apresenta um filme quase documental, didático (não há a necessidade de ser entendido no assunto para gostar) e uma fotografia mais obscura possível para um clima mais sombrio que o filme exigia. A técnica aliada e boas idéias nos agraciou com cenas instigantes, assim como em “Guerra ao Terror”, que tem aquela cena espetacular da explosão em Bagdá, aqui, já na abertura, temos a cena da tortura, mostrando os bastidores de como o fanatismo e patriotismo em busca de um bem, digamos, maior leva o ser humano e ser e fazer algo que não é. Aqui, um correspondente de Bin Laden, Ammar, é capturado e sofre os maiores abusos nas mãos da CIA, principalmente pelo personagem de Jason Clarke e essa tortura, ou “interrogatório avançado”, como sugere o personagem, são o ponto chave da primeira meia hora do filme. O retrato, quase documental, usando inclusive imagens reais do ataque no metrô de Londres, em 2005 é outro espetáculo à parte, mas as duas melhores seqüências são, com certeza, a explosão em um restaurante no Paquistão e a meia hora final, da captura em si, que a diretora optou por explorar mais o som e deixar as cenas sob interpretação do espectador, quase na ausência de imagens, deixando o clima, portanto, mais sombrio e profundo.

            Na estréia do filme nos EUA, em dezembro de 2012, a crítica americana detonou o filme por todos os lados. Chamou o filme de fascista, maniqueísta, manipulador e feito para ganhar prêmios. Até a personagem da Jessica Chastain não foi poupada, sendo chamada de fantoche nas mãos da diretora. De fato, o filme foi um fracasso de bilheteria por lá. Mas não demorou muito para ele ganhar seu espaço no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde a crítica brasileira adorou o filme, apontado por alguns críticos como “o melhor filme do ano”.

            Não dá para negar todas as qualidades técnicas e de roteiro do filme, mas, todos esses fatores teriam sido em vão sem uma grande atriz liderando tudo, no caso, a personagem de Jessica Chastain. Seu papel como Maya (indicado ao Oscar de Melhor Atriz e vencedora do Globo de Ouro) é tão sublime, profundo e frio como o gelo, que fica até difícil imaginar essa personagem em um filme denso desses: uma mulher no comando da caçada mais arriscada da história de seu país.

            Deixo registrado aqui que a Jessica Chastain é, no meu conceito, das atrizes mais completas e versáteis da atualidade. Tanto é que ela não para de fazer filme e é sempre requisitada para os papéis.

            Kathryn Bigelow usou a liderança que Maya tem, misturado com o desespero de alguém com esse tipo de responsabilidade. Por aqui, Maya é apresentada como uma mulher extremamente inteligente, segura de si, porém, inexperiente. Se manter no topo, liderar uma equipe em uma missão assim tão arriscada, sem esquecer seu lado mulher são os dilemas dessa jovem.

            Maya é uma mulher praticamente sem sentimentos, sem vida social nenhuma, sem relacionamentos e sempre colocando o trabalho em primeiro lugar. Conforme o filme vai acontecendo, Maya se torna obcecada por seu trabalho, a ponto de ficar viciada pela busca e pela adrenalina que esse trabalho proporciona. Dá até para fazer um paralelo com William James, o personagem de Jeremy Renner de “Guerra ao Terror”, que fica viciado em adrenalina com os confrontos da guerra do Iraque.

            Quem disse que cinema é só entretenimento? Cinema é sim, conhecimento e cultura. Aprende-se muita coisa sobre o terrorismo, o mundo Árabe e sobre a Guerra no Afeganistão assistindo “A hora mais escura”. Junto com “Fahrenheith 11 de Setembro”, do Michael Moore, o próprio “Guerra ao Terror”, da Kathryn Bigelow, e a fantástica série do canal FX, “Homeland”, “A hora mais escura” se figura entre as obras mais importantes sobre esse assunto delicado e perigoso, que é o terrorismo.

            A hora mais escura recebeu 5 indicações ao Oscar 2013: Melhor Filme, Roteiro Original, Montagem, Edição de Som, e, claro, de Melhor Atriz para Jessica Chastain. Venceu o prêmio de Edição de som.
           

Nota: 10,0


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