Magnífica 70 – 1ª temporada
Criada
por: Cláudio Torres, Renato Fagundes, Leandro Assis
2015
Com:
Marcos Winter, Simone Spoladore, Adriano Garib, Paulo Cesar Pereio, Maria Luisa
Mendonça, Stepan Nercessian, Juliana Galdino, Leandro Firmino, Julia Ianina,
Joana Fomm.
Drama
16
Anos
Magnífica 70 é brilhante e reacende o debate
sobre intervenção militar
Existem grandes filmes nacionais
sobre o período de ditadura militar, cada um à sua maneira representou de forma
honesta e imparcial o período, são eles: ‘O Que É Isso, Companheiro?’ (que foi
indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro em 1998), ‘Lamarca’, ‘Ação Entre Amigos’
‘Cabra Marcado Para Morrer’, dentre muitos outros. Mas a TV ainda fica devendo
quando se trata do período. Em 1992 tivemos a série ‘Anos Rebeldes’, que foi
muito boa, tinha um elenco extraordinário, mas continha todas as limitações que
a TV aberta exige. Faltava um produto genuinamente brasileiro para falar disso
na televisão.
Mas, nada como um canal que não tem
medo de ousar e nem das opiniões contrárias para nos agraciar. A HBO é
conhecida por isso, em se arriscar em superproduções, não se preocupar com o
politicamente correto e dar mais liberdade aos seus autores.
Como diz no slogan: “não é TV, é HBO”.
Isso não é propaganda de graça para
o canal, basta ver que eles são responsáveis por séries como ‘Game of Thrones’,
‘True Detective’ ‘Masters of Sex’ e ‘O Negócio’ atualmente. E historicamente
temos ‘Família Soprano’, ‘Mad Men’, ‘Band of Brothers’, dentre muitas outras.
E em 2015 foi lançada uma série
brasileira que retrata o período militar, sobretudo na que diz à censura
prévia: Magnífica 70 não é só a melhor série brasileira em anos, mas é uma
prova que o Brasil pode fazer uma produção tão boa – ou melhor – do que as
séries americanas e britânicas. E se tiver em boas mãos, pode pegar as
limitações de orçamento e transformar em algo poderoso.
Tudo isso é fruto das direções
brilhantes de Claudio Torres e Carolina Jabor, que intercalam a direção dos
episódios.
É uma série da HBO e obviamente não
tem o mesmo orçamento de Game of Thrones, por exemplo, mas é uma bela
reconstituição de época, com uma trama poderosa e sem medo de ser ousada. Muito
ao contrário do que a TV aberta está fazendo hoje em dia, na qual a nudez e o
sexo são gratuitos e funcionam mais para audiência, aqui ela é representativa
pela trama de repressão.
Na história, temos Vicente (Marcos
Winter, brilhante!) que trabalha como sensor em São Paulo e todas as produções
de audiovisual devem passar por ele, na qual ele avalia se a obra pode passar
na íntegra, fazer alguns cortes ou simplesmente proibi-la.
Em um dia corriqueiro de trabalho
ele proíbe um filme da Boca do Lixo, dirigido por Manolo (Adriano Garib, sempre
ótimo!) em que uma estudante de um convento é reprimida por suas vontades
sexuais e nesse contexto Manolo e sua protagonista Dora Dumar (Simone
Spoladore, no melhor papel da sua carreira) vão lá reclamar e questionar o
porquê da censura. Quando Vicente vê os dois conversando sobre o enorme
trabalho de se fazer um filme, ele decide que algumas cenas devem ser refeitas.
Acontece que o próprio Vicente dirige o que deve ser feito e com o sucesso de
sua direção, ele é chamado para uma nova dirigir um novo filme da chamada Boca
do Lixo.
Magnífica 70 não é apenas brilhante
por tratar de um período delicado da história brasileira, nem só por seu roteiro
inteligentíssimo, mas também porque é um grande retrato sobre como funciona a
produção de um filme no Brasil, com toda a burocracia e falta de vontade dos
investidores, mas, sobretudo, no tratamento dos personagens. Todos têm
segredos, cada um esconde algo e quanto mais se descobre, mais fascinante o
personagem fica. Ninguém é exatamente mocinho e ninguém é exatamente vilão. Todos
têm motivações de forma direta ou indireta com a censura e a produção do filme,
que recebeu o nome de “Minha Cunhada é de Morte”.
Vicente tem que lidar com a pressão
de avaliar os filmes com rigor, a pressão do casamento com Isabel (papel de
Maria Luisa Mendonça) e a pressão de dirigir o filme. E nenhuma das duas partes
pode saber da outra, ou seja, ele dirige o filme na Boca do Lixo em segredo e
mantém seu trabalho como sensor.
E para piorar, depois descobrimos
que seu sogro (pai de Isabel) é um general do exército, o General Souto e seu
casamento foi arranjado, já que ele não sente atração nenhuma por Isabel (mas
ela sente por ele), sua obsessão era da irmã de Isabel, Ângela, mas depois ele
começa a sentir atração por Dora.
Já Dora, que na verdade se chama
Vera, é uma ladra, seu irmão tem uma dívida com um criminoso, mas ela segue seu
sonho de ser atriz. A série deixa dúvida o tempo todo se ela está lá para
roubar o dinheiro do cinema ou se o seu sonho de atuar é verdadeiro.
Já Manolo é um ex-caminhoneiro que
entrou no mundo do cinema muito por acaso, mas agora é sua fonte de renda e um
produtor lucrativo da Boca do Lixo.
Para quem não sabe, a Boca no Lixo
fica na região central de São Paulo (onde ficava a cracolândia) e era um lugar
de produções baratas de cunho sexual – era a chamada pornochanchada.
Por se tratar de uma homenagem
também ao cinema, as referências à 7ª arte estão nas produções da época que
eram proibidas, como ‘O Último Tango em Paris’, referências a Clint Eastwood (no
personagem “Flint Westwood”) e a ‘O Encouraçado Potemkim’ (visto como subversivo
na época). Mas a melhor referência fica com Laranja Macânica, de Stanley
Kubrick:
Hoje em dia não existe lista dos
melhores filmes da história sem Laranja Mecânica, mas na época era visto também
como subversivo, foi proibido no Brasil, sendo liberado apenas em 1978 e com
uma tarja preta para cobrir um pêlos pubianos, sendo liberado na íntegra
somente anos depois. Vicente entrega para um dos funcionários da filmagem que
já viu Laranja Mecânica e sua música é tocada constantemente, sobretudo na
produção de “Minha Cunhada é de Morte”.
Magnífica 70 trata o regime militar
de forma imparcial, o foco está mais na censura das produções, que se tornou
mais agressiva conforme o regime se intensificava e tudo tinha que respeitar “a
moral e os bons costumes”.
A repressão é mais representativa na
figura do General Souto, que sim, defende a moral citada acima, está na caça
aos comunistas e em um dos discursos diz que a mulher deve ser submissa ao
homem. E embora ele seja quem mais se aproxima de um vilão, também se torna um
personagem mais fascinante conforme a série vai passando, sobretudo quando
descobrimos seus segredos.
Magnífica 70 já foi renovada para a
segunda temporada. O que é muito bom pois não faltam são assuntos para retratar
o período e antes que algum infeliz diz que “isso já passou”, é importante
conhecer o passado para entender o presente e considerando que muita gente hoje
pede a volta do regime, é importante ver como a cultura e a sociedade
funcionava na época.
E tem mais: assim como o nazismo e a
2ª Guerra Mundial, são períodos que merecem e devem ser lembrados para servirem
de exemplo àqueles de memória curta. Ou àqueles que dizem que aquela era uma “época
boa”.
Nota:
10,0
Imagens:
Trailer:
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