Perdidos na noite (Midnight Cowboy)
Direção: John Schlesinger
Ano de produção: 1969
Com:
Jon Voight, Dustin Hoffman, Sylvia Miles.
Gênero: Drama
Classificação Etária: 16 Anos
O cinema de autor um dia definiu Hollywood
Na segunda metade dos anos 1960, Hollywood estava falida.
Após a explosão dos musicais nos anos 1950, os estúdios se viam em uma crise de
criatividade e a falta de uma corrente nova que definisse aquele tempo. E qual
foi a saída para tirar Hollywood do buraco? Bom, estamos falando de uma época
em que manifestações eram intensas no mundo inteiro e que a rebeldia era a
palavra da vez. E foi preciso unir alguns aspirantes a cineastas considerados
rebeldes para criar uma nova safra dos filmes americanos: o chamado “cinema de
autor”, que são aqueles filmes em que o diretor ou o roteirista têm liberdade
total para colocar tudo o que lhe vem à sua cabeça em sua obra. Hoje em dia
ainda existem filmes assim, mas estão basicamente no circuito fechado, longe do
circuito comercial. São os estúdios que comandam o entretenimento e dão a
palavra final. Alguns diretores ainda conseguem alguma autonomia, mesmo nos
blockbusters, como Christopher Nolan e J. J. Abrams. Porém, ainda longe do
ideal.
E quais eram esses rebeldes dos anos 1960? Ninguém menos
do que Steven Spielberg, George Lucas, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e
Brian de Palma.
E há exatos 45 anos, estreava um filme 100% autoral e uma
grande aula de como trabalhar com atores, locações belas e trilha sonora que
tem tudo a ver com o que o filme diz: “Perdidos na noite”, que marca a estréia
do cineasta britânico ao cinema americano John Schlesinger (que morreu em 2003
aos 77 anos). O filme também marcou a estréia de Jon Voight (pai de Angelina
Jolie na vida real) nos cinemas. A sua escolha como protagonista foi ousada,
quando Warren Beatty era o mais cotado, o diretor sabia o que estava fazendo em
colocar um ator com menos glamour em um papel tão denso. E o filme também tem
Dustin Hoffman, que estava fresquinho com seu grande sucesso na obra-prima “A
primeira noite de um homem”, em 1967.
“Perdidos na noite” surgiu como um filme pequeno e
alternativo e foi ganhando festivais, até a Academia reconhecê-lo e se tornar
não só um sucesso de crítica, mas também de público.
O filme foi o grande vencedor do Oscar de 1970 de Melhor
Filme, e ainda ganhou os prêmios de direção e roteiro adaptado. Os atores Jon
Voight e Dustin Hoffman foram indicados a Melhor Ator, mas perderam
(injustamente) para John Wayne por “Bravura Indômita”.
A escolha de “Perdidos na noite” para Melhor Filme também
foi uma aposta considerada ousada. Esse foi o primeiro caso da Academia em que
um filme com classificação “X” (não recomendado para menores de 17 anos) obteve
o prêmio principal. Após os prêmios, o filme foi reclassificado para “R” (onde
menores podem ver com a presença dos pais e responsáveis). Aqui no Brasil,
seria algo como “Classificação 18 Anos”. Tudo isso é um exagero, diga-se de
passagem. O filme gerou essa polêmica por falar em prostituição masculina e do
submundo de uma grande cidade como Nova York.
Muito
à frente do seu tempo, “Perdidos na noite” sobrevive a tudo isso que se tornou
cultuado e lembrado até os dias de hoje. É quase o mesmo caso de “Laranja
Mecânica”, de Stanley Kubrick, que foi um filme acusado de violento e com
temática sexual, mas o tempo comprovou sua genialidade e questões abordadas.
Na história de “Perdidos na noite”, temos um caubói
texano, Joe (Voight, sensacional no papel e merecia o Oscar de Melhor Ator!) que
parte de sua cidade natal, Texas, rumo à Nova York para tentar a sorte. Lá, ele
conhece “Ratzo” Rizzo (Hoffman, igualmente ótimo!), que é um grande
aproveitador e com sua saúde piorando aos poucos em especial por sua
deficiência na perna direita. Os dois passam a morar juntos no condado do
Bronx, considerado a periferia de Nova York. A realidade da metrópole, porém,
não é o que Joe esperava. Ele passa a ganhar a vida como garoto de programa e
tirando dinheiro das madames, inclusive da socialite Cass (Sylvia Miles) – em
uma cena espetacular. Sem dinheiro e com muito charme, é basicamente dessa
forma que Joe vai ganhando a vida em Nova York.
Além desse tema explosivo, que é a prostituição masculina
(um tabu até hoje), o filme não se resume somente a isso. Muito pelo contrário,
“Perdidos na noite” é munido de sentimentos e de empatia com os protagonistas.
É um belo retrato e metáfora da migração das pequenas para as grandes cidades.
Aqui no Brasil esse é um fenômeno comum, em especial de quem vem do Nordeste para
o Rio de Janeiro e São Paulo, e nos EUA isso também acontece.
Também é dos últimos suspiros e referências dos grandes
Westerns, tão popularizados nos anos 1960 e que viam o fim de seu auge.
“Perdidos na noite” tem uma fotografia e câmeras
perfeitas. Basicamente não há tomadas em estúdios, tudo foi realizado no Bronx,
para uma maior realidade das cenas. Muito antes de Scorsese mostrar uma Nova
York sombria em Taxi Driver, a metrópole suburbana de “Perdidos na noite” tem
ares de vazia e sem vida.
A cena em que os protagonistas estão em uma festa com
sexo, drogas e rock n’ roll é uma referência clara à sua época, em que a
rebeldia, o movimento hippie e o amor livre tomavam conta do mundo. Repare que
estamos falando do ano de 1969, que teve o festival de Woodstock.
A trilha sonora que embala o filme, em especial na
seqüência de abertura, é dessas clássicas do cinema e que marcam um filme para
sempre. Logo que começa o filme, temos o
personagem de Jon Voight caminhando pelas ruas do Texas ao som da canção
Everybody’s talkin.
Para apreciar “Perdidos na noite”, deve-se vê-lo com a
cabeça dos anos 60/70. Não se deve compará-lo ao cinema milionário de hoje,
pois isso é tão covarde quanto injusto. E se filmes bons são aqueles que não
morrem com o tempo, “Perdidos na noite” é a prova viva disso, 45 anos após seu
lançamento.
Nota:
10,0
Imagens:
Trailer: