Pulp Fiction – Tempos de Violência (Pulp Fiction)
Direção: Quentin Tarantino
Ano de produção: 1994
Com:
John Travolta, Samuel L. Jackson, Bruce Willis, Uma Thurman, Harvey Keitel,
Ving Rhames, Tim Roth, Amanda Plummer, Maria de Medeiros, Christopher Walken,
Quentin Tarantino, Steve Buscemi, Eric Stoltz .
Gênero: Policial
Classificação
Etária: 18 Anos
Só Tarantino poderia ter imaginado ‘Pulp Fiction’.
No início dos anos 1990, o cinema estava carente de novos
diretores e os grandes filmes eram de cineastas consagrados, como ‘Os bons
companheiros’, de Martin Scorsese e ‘O Poderoso Chefão 3’, de Coppola. E nesse
mesmo cenário, mais precisamente em 1992, surgia um certo Quentin Tarantino e
um filme desconhecido chamado ‘Cães de aluguel’. Como todo e qualquer diretor
iniciante, o caminho para conseguir um lugar ao sol foi longo. Primeiro que a
indústria não colocava muita credibilidade em Tarantino. Ele não tem formação
em cinema e sua experiência com o mundo da sétima arte era seu trabalho de
balconista de videolocadora. E também porque sua narrativa é muito diferente do
convencional: suas tramas não possuem uma ordem cronológica com começo, meio e
fim e seus filmes podem ter protagonistas ou não.
Mas, eis a surpresa: ‘Cães de Aluguel’ se tornou um
grande sucesso de crítica, foi ovacionado em Cannes e Sundance e logo foi sendo
descoberto pelo público. E com o passar dos anos, logo se tornou cultuado e até
hoje, 22 anos de seu lançamento, é amado por muitos.
Após o lançamento de ‘Cães de Aluguel’, Tarantino logo se
tornou um nome conhecido e alguns críticos o chamavam de “o novo Scorsese”. Um exagero?
Pode ser, mas, depois do resultado de ‘Cães de Aluguel’, Tarantino teve sinal
verde para dirigir e escrever sua obra-prima até então, ‘Pulp Fiction – Tempos de
Violência’.
Tarantino se uniu ao seu produtor e amigo, Lawrence
Bender (que trabalharia com ele em mais 4 filmes, além do próprio ‘Cães de
Aluguel’) e concebeu a trama com histórias que aparentemente, não chegam a
lugar nenhum e não têm ligação nenhuma, mas que, na verdade, são uma só. Além
do mais, temos, mais uma vez, um filme sem uma ordem cronológica “correta”. Em ‘Amnésia’,
vimos uma história contada em ordem inversa, em que a abertura era, na verdade,
o final, e o fim, o início. Já aqui, temos uma mescla e montagem de histórias:
o final pode estar no meio, o meio pode estar no começo, e por aí vai.
Outro detalhe interessante em ‘Pulp Fiction – Tempos de
Violência’ é o elenco. Tarantino não se preocupa em colocar grandes astros em
seus filmes e para ele, as boas ideias valem mais do que o estrelato. Mais do
que isso, seus filmes podem fazer ressurgir a carreira de alguns atores e
descobrir alguns.
Em ‘Jackie Brown’, de 1997, Pam Grier, estrela dos anos
1970 estava praticamente sumida do mercado, fazendo uma ou outra ponta em
alguma série e já surgiu como protagonista no filme. E Tarantino fez
praticamente uma homenagem a ela no filme, tanto que o personagem-título é
dela, a Jackie Brown.
Em ‘Bastardos Inglórios’ (no meu conceito, seu melhor
filme), Christoph Waltz não era praticamente ninguém. E na ocasião, ele rouba a
cena até do Brad Pitt, fez seu general nazista, Landa, um personagem icônico da
cultura pop e ganhou todos os prêmios, inclusive o Oscar, pelo papel. Ele também
ganharia, em 2013, pelo ‘Django Livre’.
E já aqui em ‘Pulp Fiction – Tempos de Violência’, não
tem como não lembrar que a carreira de John Travolta foi ressuscitada neste
filme. O astro de ‘Os embalos de sábado à noite’ e ‘Grease – nos tempos da
brilhantina’, de uma distante década de 1970, já estava esquecido do mundo pop
quando ele foi chamado àquele que foi, possivelmente, seu melhor papel, Vincent
Vega. E a ousadia de Tarantino foi não só por ter chamado um ator com a
decadência decretada, como, acreditem, o grande Daniel Day-Lewis era cotado
para viver Vega, mas, Tarantino recusou (!). E a ideia que parecia fadada à
piada, se tornou um dos maiores trunfos do filme: Travolta foi elogiadíssimo
pelo papel, recebeu uma indicação ao Oscar e viu sua carreira, finalmente,
decolar e fazer filmes que, dessa vez, foram conhecidos pelo grande público nos
anos seguintes, como ‘A Outra Face’ e ‘O nome do jogo’.
Mas, não é só de Travolta que vive ‘Pulp Fiction – Tempos
de Violência’, muito pelo contrário. O elenco está afiado e Tarantino só
trabalha com os melhores: Samuel L. Jackson (indicado ao Oscar pelo papel), Uma
Thurman (também indicada pelo papel), o grande Harvey Keitel, Bruce Willis,
esse sim com a carreira em alta na época, aliás, vale ressaltar que, na época,
os astros torciam o nariz para o cinema independente e Willis não só aceitou o
papel, como ganhou status de ator sério. Seu papel surpreendente em ‘Os 12
Macacos’, em 1995, de Terry Gilliam, deve tudo a esse filme aqui. Entre muitos
outros.
Mas e a história? Bom, é difícil fazer um resumo de
poucas linhas de ‘Pulp Fiction – Tempos de Violência’, exatamente pelo fato da
montagem sem linearidade. Mas, trocando em miúdos, dois gângsters, Vincent Vega
(Travolta) e Jules (Jackson) precisam entregar uma maleta a seu chefe, Marsellus
Wallace (Ving Rhames). No caminho, escapam da morte por pouco depois de um acerto
de contas, neutralizam um roubo em um restaurante e recebem a missão de
assassinar o pugilista decadente, Butch (Willis), que deveria entregar a luta,
mas matou seu oponente e fugiu.
Enfim, tentei ao máximo resumir a história, mas o roteiro
tem muito mais a oferecer.
‘Pulp Fiction – Tempos de Violência’ foi vendido como um
filme violento e recebeu a temida classificação R-17 (nos EUA, não recomendado
para menores de 17 anos, aqui no Brasil seriam 18 anos). De fato, a violência
está explícita no filme sem pudor algum. Mas, vendo ‘Pulp Fiction’, a violência,
sangue e tudo mais, estão estilizados e o humor e a engenhosidade da trama estão
acima de qualquer moral da violência. Vejo ‘Pulp Fiction – Tempos de Violência’
como um filme mais cômico e menos violento.
Outro detalhe importante, os personagens são explicitados
de forma imparcial e a moral religiosa do bem e mal não são questões para
Tarantino. Explico melhor. Quando vemos todo e qualquer filme de ação, existe
um mocinho e um vilão já determinados. Torcemos quando o herói dá uma surra do
malvado e vibramos quando esse morre. Alguns filmes até despertam nosso ímpeto
de maldade, colocando a plateia contra aquele personagem. Aqui em ‘Pulp Fiction’,
já não há isso. Não há vilões e mocinhos, são gângsters acertando as contas com
outros gângsters e não há sentimento de “bem feito” ou “que pena”. O roteiro
toma a decisão de não favorecer nenhum dos dois lados (queremos Tarantino na
mídia brasileira!).
A prova tanta que os gângsters não são heróis, nem vilões,
é que eles falam de coisas do cotidiano: dos hambúrgueres do McDonalds,
Madonna, religião e há os planos-sequência que, aparentemente, não têm nada a
ver com a história (e de fato não têm), mas que, ao contrário de parecer uma
viagem do roteiro, é mais um trunfo das boas ideias. O “debate” da massagem nos
pés é um deles.
E, conforme dito antes, o que fica mais marcado em ‘Pulp
Fiction – Tempos de Violência’ é o humor e engenhosidade. E isso o filme tem de
sobra. Tudo o que poderia ser mal feito com outros diretores, aqui, só
confirmam a genialidade do roteiro. E não estou falando somente na narrativa não
linear, mas em alguns rumos que o roteiro toma.
Exemplos não faltam. Logo na sequência de abertura, um
casal discute sobre as vantagens e facilidades de roubos a banco e
restaurantes. Poderia soar como apologia ao crime e incentivo a novos
criminosos a tais lugares. Mas aqui é algo delicioso de se ver, pois, repito,
não há moral religiosa e nem pudor. São gângsters apresentados como pessoas
normais e conversando de assuntos que podem ser comuns ou não. Durante o
capítulo (sim, o filme é dividido em capítulos) de John Travolta e Uma Thurman
até o preço abusivo do milk-shake é centro de diálogo. Esse capítulo tem a cena
icônica da dança entre Travolta e Thurman em homenagem ao Twist dos anos 1960.
E claro, tem aquele que considero o melhor capítulo do
livro, ocupa cerca de 50 dos 150 minutos do filme, que é o chamado “O Relógio
de Ouro”.
Já se foram muitas vezes que vi ‘Pulp Fiction – Tempos de
Violência’, mas ainda é difícil entender como Tarantino imaginou fazer essa
parte, que é uma delícia: primeiro temos um Butch criança, assistindo TV e
recebe, em sua casa, um general do exército americano e amigo de seu falecido
pai, vivido por Christopher Walken. Ele conta a história do relógio que seu pai
guardava passando as gerações desde seu bisavô até o presente da história. Butch
guarda o bendito relógio. Anos depois, Butch vira boxeador e foge de uma luta
(como citado acima) e foge, também, de casa com a esposa, afinal, os gângsters
de Marsellus estão atrás dele. Mas, eis que sua esposa esquece o relógio no
antigo apartamento, fazendo-o ir pegá-lo. No caminho, Butch mata Vincent Vega e
atropela Marsellus (em uma homenagem a Psicose), mas se sai bem. Toda a viagem
de explicar o porquê do relógio ser tão importante, contar a saga do início,
passando pela hilariante bronca na esposa pelo esquecimento, até a quase morte
do personagem, e lembrarmos que tudo foi por causa de um simples relógio, e
ainda sim, obter o interesse pelo espectador e não se tornar maçante, é algo
que o roteiro deve se orgulhar.
‘Pulp Fiction – Tempos de Violência’ foi um grandioso
sucesso de público e crítica. Pelos críticos, foi ovacionado e quase todos o
consideraram o melhor filme de 1994. O filme venceu o Oscar de Roteiro
Original, além de ter sido indicado para Ator e Atriz Coadjuvante, Ator,
Montagem, Direção e Filme. Esses dois últimos, perdeu para ‘Forrest Gump – O Contador
de Histórias’. Muitos consideram isso injusto, de fato, ‘Pulp Fiction’ é melhor
do que ‘Forrest Gump’, mas dizer que a premiação foi injusta é um ultraje.
‘Pulp Fiction’ ainda ganhou a tão sonhada Palma de Ouro
no Festival de Cannes, em 1994.
E no sucesso com o público, o faturamento foi com mais de
20 vezes de seu investimento. O filme custou a bagatela de 8 milhões de dólares,
mas faturou mais de 200 milhões de dólares ao redor do mundo. E ‘Pulp Fiction’
foi o primeiro filme independente da história a chegar à marca de 100 milhões.
Um dia os estúdios aprendem que, não só de arrasa-quarteirões
vive o cinema e é glorioso saber que, um filme com uma premissa pequena faz
esse grande barulho até hoje, 20 anos de seu lançamento.
Nota:
10,0
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