Encontros e Desencontros (Lost in Translation)
Direção: Sofia Coppola
Ano de produção: 2003
Com: Bill Murray, Scarlett Johansson,
Giovanni Ribisi, Anna Faris.
Gênero: Comédia Dramática
Classificação Etária: 14 Anos
Sofia faz de “Encontros e Desencontros” sua obra-prima.
Sofia Coppola praticamente nasceu em um set de filmagem.
Seu ano de nascimento é 1971 e é ela o bebê de “O Poderoso Chefão”, de 1972. O
motivo principal é, claro, seu pai, o grande Francis Ford Coppola, diretor do
“Poderoso Chefão”. Com um nome desses, obviamente que ela não poderia ficar de
fora do mundo do cinema e logo começou a tomar as rédeas do negócio.
Seu grande momento viria em 1990, quando seu pai a chamou
para fazer a Mary Corleone em “O Poderoso Chefão 3”.
Mas o resultado foi um desastre. Muita gente associa a
não aceitação do filme ao papel de Sofia.
Ela ganhou o prêmio Framboesa de Ouro em 1991 de Pior
Atriz Coadjuvante pelo filme e ficou anos até ser vista novamente pelos
holofotes. Em 1997 ela protagoniza o clipe Elektrobank, da banda The Chemical
Brothers e dirigido por Spike Jonze.
Seu retorno ao cinema foi em 1999, com a superprodução
“Star Wars I – A Ameaça Fantasma”. E novamente Sofia foi muito criticada e
também indicada a Pior Atriz Coadjuvante pelo papel.
O reverso da medalha veio no mesmo ano, 1999. Ela realiza
um filme lindo, intimista e foi um suspiro para quem estava carente de filmes
autorais: “As Virgens Suicidas”, que é sensacional.
Com o sucesso de crítica, de “As Virgens Suicidas”, Sofia
teve sinal verde para escrever e dirigir seu filme seguinte, “Encontros e
Desencontros”.
Antes de qualquer coisa, esqueça esse título inútil em
português. Vendeu o filme da pior maneira possível, como uma comédia romântica
para os apaixonados, o que não tem nada a ver. Seu título original, “Perdido na
Tradução”, combina muito mais com o espírito do filme.
“Encontros e Desencontros” conta a história de Bob Harris
(Bill Murray – no melhor papel de sua carreira) que é um famoso ator de cinema
e agora está gravando um comercial de uísque em Tóquio, deixando nos EUA seu
filho e esposa. Em uma certa noite, ele conhece, no bar do hotel, a simpática
Charlotte (Scarlett, também ótima!). Os dois passam a maior parte do tempo
sozinhos, Bob não conhece ninguém em terras japonesas e Charlotte até tem, seu
marido, John, que é fotógrafo e está em Tóquio a trabalho. Mas ele a deixa mais
tempo sozinha e é essa solidão que a faz aproximar de Bob. Os dois ficam,
então, amigos e se aventurando por essa terra desconhecida chamada Japão.
Dizer que “Encontros e Desencontros” é um romance é absurdo.
É um filme que fala de solidão, fala muito com o tema da globalização e é uma
crítica até ácida à Hollywood atual. Explico esses três motivos.
Sofia é uma diretora tão segura e com o pé no chão que,
em momento algum o filme caminha para o romance hollywoodiano. Muito pelo
contrário. Bob e Charlotte falam de suas vidas como velhos amigos, contam
piadas juntos e suprem seus momentos mais baseados no “Carpe Diem”, ou,
“aproveite o dia” do que com interesses sexuais. Os dois querem, portanto, mais
viver do que sobreviver. Em uma cena,
Charlotte fala para Bob: “Se voltarmos para cá, não será como agora, vamos
aproveitar o hoje”. E muitas vezes temos que fazer isso em nossas vidas,
aproveitar mais o momento porque nada volta como era antes e o momento passa e
a pessoa não viveu.
Há uma cena, lá pela metade do filme em que os
personagens estão em um karaokê e Charlotte canta a canção “Brass in Pocket” de
“The Pretenders” especialmente para Bob. Quem a vê de fora, parece mais uma
cena musical, mas só quem acompanha e se apaixona pelo filme que realmente
entende o porquê o motivo da cena ser poética.
Em alguns momentos, quase não há diálogos. Muitas vezes a
trilha sonora sensacional e lúdica fala por si só. Além do próprio olhar e
semblante dos protagonistas. Mas há quem se engane quem acha que, por não ter
romance o filme não tem sentimentos. Ao contrário, é dos filmes mais
verdadeiros e humanos do cinema recente. Como não se apaixonar por cada tomada
de Bob e Charlotte e por mais que o foco seja os dois juntos, também não
podemos nos esquecer que seus momentos sozinhos também dizem muito sobre o
filme e fala muito com o que passamos hoje: em que se sentimos solitários
internamente e que de vez em quando nossas amizades e escolhas nos fazem
felizes por poucos momentos.
Mas o filme não é só sentimentos, na verdade, o roteiro
de Sofia também se abriu às metáforas do mundo globalizado e para criticar a
mesma Hollywood que quase a expulsou de fazer o que ela mais ama, que é cinema.
A paisagem de Tóquio também é, de certa forma, um
personagem do filme. Essa grande cidade que se divide entre a “ocidentalização”
e tradição de seu povo é retratada de forma única com uma direção de arte e
fotografia cheia de detalhes e de encher os olhos. Muita gente criticou Sofia
por achar que ela falou mal do Japão e colocou esse país no filme de forma
pejorativa. Discordo completamente. Sofia quis mostrar aqui o quanto o Japão é
um país que respeita seu povo e tradição e ela usa essa grande metrópole como
metáfora para a solidão urbana. Além do mais, o “pejorativo” que muita gente
diz é a crítica que Sofia faz a Hollywood e ao mundo da publicidade, e não do
povo japonês. Aliás, quem tiver o DVD, há um making of em que Sofia declara seu
amor ao Japão e, sem as locações, ela não conseguiria fazer seu filme como ela
gostaria.
E as críticas à Hollywood e à indústria da publicidade se
refletem em dois momentos: logo na abertura, Bob está na gravação de seu
comercial de uísque e o diretor fala (em japonês) que o comercial está mal
feito. Bob refaz a cena e apresenta até um sarcasmo claramente, depois o
diretor aprova. É uma crítica ao bom gosto do mundo bizz. E a crítica ao mundo
de Hollywood está em uma coletiva de imprensa de um filme de ação fictício,
Midnight Velocity, em que a protagonista do “filme”, Kelly (Anna Faris, da
cinessérie “Todo Mundo em Pânico”) é o típico clichê das atrizes adolescentes
que estão mais preocupadas em aparecer do que trabalhar. E não devemos nos
esquecer que Bob é o retrato de um ator em decadência e também um retrato do
descaso que a indústria cinematográfica faz com seus ídolos.
“Encontros e Desencontros” venceu o Oscar de Roteiro
Original. A própria Sofia escreveu o roteiro e a premiação foi mais do que
justa. O filme ainda foi indicado de Direção para Sofia Coppola, Melhor Filme e
Ator para Bill Murray.
A perda de Filme e Direção foi até justa, pois o vencedor
nesses casos foi “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” e não se pode falar em
injustiça nesse caso. Mas a derrota para Melhor Ator foi um insulto. Quem
venceu foi Sean Penn por “Sobre Meninos e Lobos”. A injustiça foi tão grande
que o próprio Bill Murray fez questão de não aplaudir Sean Penn pelo prêmio. E
não devemos nos esquecer que o filme ainda foi ignorado em mais 5 categorias
que, no meu conceito, deveriam ser lembradas: Melhor Atriz para Scarlett
Johansson (ela não ter sido indicada por sua Charlotte foi ainda pior do que a
não premiação de Bill Murray); Fotografia, Direção de Arte, Trilha Sonora e Edição.
Assistir a um filme de Sofia é sempre bom e é melhor
ainda saber que ela é uma diretora autoral e escreve tão bem quanto seu pai,
Francis. E para quem a criticou e torceu por seu fracasso na carreira por seu
sangue e por “O “Poderoso Chefão 3”, digo aqui: Sofia está aí para ficar e é
das melhores pessoas da Hollywood atual. Pronto, falei!
Nota: 10,0
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