Bicho de Sete Cabeças
Direção: Laís Bodanzky
Ano de produção: 2001
Com: Rodrigo Santoro, Othon Bastos,
Cássia Kiss, Caco Ciocler.
Gênero: Drama
Classificação Etária: 16 Anos
Um
grito com uma câmera na mão
Já fez 14 anos que ‘Bicho de Sete Cabeças’ chegou aos
cinemas brasileiros e olhando para trás parece que a coisa não mudou muito: os
grandes filmes nacionais ficam restritos aos festivais e se estréia na telona,
é em um circuito muito limitado.
‘Bicho de Sete Cabeças’ começou sendo exibido em vários
festivais pelo Brasil até receber prêmios pelos mesmos, como em Brasília e
Recife, foi conquistando a crítica até estrear sem fazer muito barulho, mas
ganhando o boca-a-boca. E revelando esse talento chamado Rodrigo Santoro. Ele
já atuava em novelas e minisséries da TV Globo, sempre de coadjuvante, mas foi
o grande Paulo Autran que o recomendou para a diretora Laís Bodanzky que o
colocasse como protagonista de seu novo projeto.
Ou seja, devemos agradecer à diretora e ao Paulo Autran o
fato de termos um grande ator brasileiro como Santoro em blockbusters como
‘300’ e ‘Simplesmente Amor’.
O elenco de apoio também é competente, com Cássia Kiss
fazendo a mãe de Santoro e Othon Bastos como o pai. E por se tratar de um filme
feito a mais de uma década, alguns atores até então em início de carreira já
mostram que poderiam ser grandes, como Caco Ciocler fazendo um interno do
hospital psiquiátrico e Luis Miranda (que fez A Grande Família) como um dos
enfermeiros.
Na trama, baseada em uma incrível história real, temos um
adolescente chamado Neto (papel de Santoro), que possui comportamento rebelde
na escola, em casa e na rua, possui um pai carrasco, que está mais preocupado
com o seu time do que com o crescimento do seu filho e uma mãe mais flexível,
porém preocupada. O comportamento rebelde de Neto vai ficando mais acentuado
com o tempo, ele começa a sair mais a noite, é preso quando resolve pichar um
muro (mas solto depois de fiança), mas após seu pai descobrir que ele fuma
maconha, o coloca em uma clínica para deficientes químicos.
Mas o que deveria ser a solução e recuperação de Neto
acaba sendo um problema maior: o lugar é todo projetado para deixar o paciente
pior do que estava e os internos são apenas números – isso quando não são
sofrem maus tratos, com direito a eletro choque.
Na época de seu lançamento, ‘Bicho de Sete Cabeças’ foi
comparado pelos críticos aos grandes filmes subversivos do cinema americano e
inglês, como ‘Trainsportting – Sem Limites’ e ‘Kids’, e tem motivos para isso:
são cerca de 90 minutos perturbadores, onde o espectador praticamente não tem
tempo de respirar e acompanha o ritmo frenético da narrativa, fruto de uma
câmera poderosa (quase documental), uma grande fotografia e montagem rápida.
Percebam na câmera acompanhando a correria e loucura do protagonista, é quase
como se estivéssemos acompanhando a mente sem limites dele.
A diretora Laís Bodanzky fez grandes filmes depois, como
o boêmio ‘Chega de Saudade’ em 2007 e ‘As Melhores Coisas do Mundo’, em 2010,
além de ter produzido a grande animação brasileira ‘Uma história de amor e
fúria’, mas seu melhor filme permanece este aqui.
Algumas questões abordadas no filme merecem destaque e podem
ser temas de debate e reflexão: todo filho merece atenção e ser ouvido,
principalmente se ele for adolescente, que é uma fase complicada da vida e é
onde os pais devem redobrar a atenção dos filhos, seja com as más companhias ou
os lugares em que ele freqüenta e vemos aqui no filme um pai ausente na vida de
Neto, que aparentemente não conhece seu filho, age somente de acordo com seu
ego e na hora em que ele mais precisou de um mínimo de carinho que se exige de
um pai, ele o entrega para uma clínica – e assiste a cena em que ele é
internado com aprovação e descaso (e que show de atuação de Othon Bastos). E
como se não bastasse, temos a velha e incômoda dúvida: será que os pais têm
seus filhos preferidos? Segundo o roteiro do filme (e, infelizmente, segundo a
vida real), muitos têm sim: a irmã estudiosa que trabalha em um escritório
recebe o carinho do pai, já o irmão rebelde, é destratado sem pudor.
E não devemos nos esquecer do sistema, que deixa a pessoa
ainda pior do que entrou, que além de praticamente torturar o paciente, ainda
há a questão da corrupção: em uma das cenas o médico principal do hospital
psiquiátrico fala ao telefone que “o local tem mais de 400 pacientes e que
podem vir 500, o importante é receber o recurso do governo” (seria uma metáfora
para o regime penitenciário?).
A safra estava grandiosa do cinema nacional quando no
lançamento de ‘Bicho de Sete Cabeças’, com grandes obras-primas como ‘Lavoura
Arcaica’ e ‘Abril Despedaçado’ e, claro, o grande ‘Cidade de Deus’, que viria
no ano seguinte. Sem saudosismos, mas é uma época que faz falta. E nem faz
tanto tempo assim.
Nota:
10,0
Imagens:
Trailer: